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Segunda, 07 de agosto de 2017

Cuidar das nascentes é fundamental

Instituto BioAtlântica (IBIO), agência de água do Rio Doce, vem trabalhando na recuperação e na gestão responsável dos recursos hídricos, para trazer de volta o equilíbrio natural de um dos rios mais importantes do país

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Ricardo Valory:

Ricardo Valory: "A questão do Rio Doce não é mais local. Viramos pauta nacional". Foto: Fabiana Conrado/Ascom

O Rio Doce é um mundo dentro de Minas Gerais. Dele dependem mais de 3,5 milhões de pessoas, distribuídas em 228 municípios ao longo de seus 879 quilômetros de extensão. Além disso, na sua bacia hidrográfica também se concentram atividades importantes para a economia nacional, como a agricultura, a pecuária e a mineração.

Não é à toa que, tendo em vista a importância ecológica, econômica e social do rio, o Brasil e o mundo estejam indignados com sua realidade ambiental. Mesmo antes do rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Samarco, em novembro de 2015, a situação já não era das melhores: o rio já vinha sofrendo com o assoreamento, a poluição e o desmatamento de sua mata ciliar. E o desastre de Mariana (MG), claro, potencializou de maneira dramática todos esses problemas.

É na transformação desse cenário triste que o Instituto BioAtlântica (IBIO), agência de água do Rio Doce, vem trabalhando junto ao comitê e sub-comitês de bacia, além da comunidade e entidades parceiras. Seja na recuperação de nascentes seja na cobrança do uso da água ou na gestão responsável dos recursos hídricos, o caminho para trazer de volta o equilíbrio natural a um dos rios mais importantes do país ainda é longo.

É o que ressalta o diretor-geral do IBIO, Ricardo Valory. Nesta entrevista à Revista Ecológico, ele cobra, inclusive, que a Fundação Renova (criada para gerir as ações de reparação, restauração e reconstrução após os impactos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão) trabalhe de forma mais integrada com os comitês na recuperação do Rio Doce. “A Fundação precisa considerar o que a agência já vem executando com aprovação e priorização dos comitês, para que consigamos resultados ainda melhores”, afirma. Valory também faz um balanço sobre os programas realizados pelo IBIO.

Confira:

 

Qual é a situação atual da Bacia do Rio Doce?

Um dos nossos grandes desafios é enxergar, identificar todos os problemas do território da bacia. São aproximadamente 86 mil km², em 228 municípios (202 mineiros e 26 capixabas). Desses, nem cinco possuem 90% do seu esgoto tratado, que é um dos principais problemas. Além disso, o solo, com baixa cobertura florestal, continua exposto a processos erosivos. E isso consequentemente contribui para o assoreamento dos afluentes e do próprio Rio Doce. Embora a gestão de recursos hídricos tenha evoluído, ainda temos muito a fazer. A bacia já apresentava um cenário de alta degradação, agravado após o acidente de Mariana, que trouxe novos impactos e deixou ainda mais crítica a situação. Cabe às entidades envolvidas – o comitê de bacia, a agência, os órgãos gestores e a comunidade – se organizarem na luta pela redução dos impactos ambientais.

 

Como vocês avaliam as ações de recuperação ambiental desenvolvidas pela Fundação Renova?

O Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado entre os governos federal e estaduais (Minas Gerais e Espírito Santo), a Samarco e suas acionistas após o rompimento da barragem de rejeitos em Mariana (MG), está sendo cumprido dentro dos prazos previstos. Porém, ao longo de sua execução, novas linhas de ações que não estavam estipuladas no acordo podem surgir. É preciso que o Comitê Interfederativo (CIF) tenha a consciência de que podem ser necessários ajustes no termo para que as ações, de fato, tenham o efeito esperado na recuperação do Rio Doce. As ações definidas devem se manter alinhadas às dos comitês da bacia. Essa articulação é essencial para que os programas previstos no Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Doce (PIRH-Doce), que o IBIO já vem executando, tenham ainda mais força. A Fundação Renova precisa levar em consideração o que a agência já vem executando com aprovação e priorização dos comitês, para que consigamos resultados ainda melhores, visando à garantia de água em qualidade e quantidade adequadas aos mais diversos usos.

 

De que forma o IBIO estimula produtores agrícolas quanto ao uso racional de água? Quais as principais conquistas nesse sentido?

O comitê investiu recursos da cobrança pelo uso da água no Programa de Incentivo do Uso Racional da Água na Agricultura (P22). Foram instalados 240 irrigâmetros na Bacia do Rio Doce, equipamentos que contribuem para o manejo da irrigação, indicando ao produtor a forma e o tempo corretos para irrigar, melhorando a qualidade do produto e promovendo economia de água e energia elétrica. Eles foram distribuídos nas áreas da bacia que possuem o maior número de irrigantes, de acordo com informações do PIRH e seus respectivos Planos de Ação (PARHs). Esses primeiros equipamentos foram uma espécie de projeto-piloto na bacia. Todas as propriedades contempladas receberam acompanhamento técnico por meio da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e da Fundação Arthur Bernardes (Funarbe), contratada por licitação para a execução do programa.

 

Como está a adesão dos produtores rurais e das cidades abrangidas pela bacia ao Programa de Recomposição de APPs e Nascentes (P52)?

Cuidar das nascentes é fundamental para a recuperação da Bacia, pois elas representam um grande colaborador para o abastecimento dos lençóis freáticos. A junção dos três programas irá gerar maior prática de conservação de solo, que, aliada à maior infiltração de água, permitirá a redução da erosão, diminuição do assoreamento dos rios e ao, mesmo tempo, contribuirá para que a nascente tenha mais água para jorrar. Os comitês também priorizaram recursos da cobrança pelo uso da água. Em Minas Gerais, o CBH-Santo Antônio foi precursor do programa, que contemplará, ao todo, 700 nascentes. Já no Espírito Santo foi feito um alinhamento entre os CBHs capixabas da Bacia do Rio Doce e o Programa Reflorestar, do governo do Estado: uma empresa foi contratada para elaboração do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Projeto de Recuperação das propriedades. Nesse programa, o CBH investiu R$ 940 mil e, em contrapartida, o Reflorestar financiou os insumos – mudas, murões, arrames – além do pagamento, aos produtores rurais, por serviços ambientais prestados. Cerca de 600 produtores já foram contemplados com esse arranjo. Trabalhamos há um tempo com eles na recuperação dos mananciais e nascentes. O CBH é peça-chave na mobilização dos municípios e na disseminação do conhecimento da sua bacia hidrográfica.

 

A cobrança pelo uso da água é vista por especialistas como um instrumento importante contra a crise hídrica e futuros racionamentos. Qual a sua opinião a respeito?

Enxergamos a cobrança como um instrumento que, além de arrecadar recursos, representa uma oportunidade de mostrar ao usuário a necessidade de utilizar a água de forma racional. A partir do momento em que ele começa a pagar por determinado insumo, passa a regular seu uso e gasto. Esse é um dos pontos importantes da cobrança: trazer uma nova e sustentável cultura para  a região. Todo o recurso arrecadado volta para a bacia na forma de ações de recuperação ambiental. A cobrança pelo uso da água é um dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos, instituído a partir da compreensão de que a água representa um ativo capaz de gerar riquezas para os territórios. Significa, portanto, uma estratégia para o desenvolvimento regional.

 

O Brasil sediará o “Fórum Mundial das Águas” em 2018. Que contribuições Minas Gerais e Espírito Santo, no âmbito da Bacia do Rio Doce, poderão levar para o evento?

Os comitês da Bacia Hidrográfica do Rio Doce podem contribuir com experiências exitosas no fórum, como os bons exemplos na gestão dos recursos hídricos. A execução dos programas, a integração dos comitês e o fortalecimento na bacia contribuirão com outros comitês que ainda não possuem resultados sólidos. Mas, também, vamos buscar exemplos que podem ser agregados às nossas ações. A questão não é só local. Após o rompimento da Barragem de Fundão, passamos a ser pauta nacional.

 

O Rio Doce e seu entorno devastado: desprezo histórico. Foto: Fred Loureiro/Secom ES

 

Raio-x

- A Bacia Hidrográfica do Rio Doce tem 86.715 quilômetros quadrados, dos quais 86% estão no Leste mineiro e 14% no Nordeste do Espírito Santo. Em Minas, é subdividida em seis Unidades de Planejamento e Gestão dos Recursos Hídricos (UPGRHs), às quais correspondem as seguintes sub-bacias e seus respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs): Rio Piranga, Rio Piracicaba, Rio Santo Antônio, Rio Suaçuí, Rio Caratinga e Rio Manhuaçu.

- No Espírito Santo, não há subdivisões administrativas, existindo CBHs dos Rios Santa Maria do Doce, Guandu, Pontões e Lagoas do Rio Doce e Barra Seca e Foz do Rio Doce.

- Com 879 quilômetros de extensão, suas nascentes estão em Minas, nas Serras da Mantiqueira e do Espinhaço. O relevo da Bacia é ondulado, montanhoso e acidentado. No passado, uma das principais atividades econômicas foi a extração de ouro, que determinou a ocupação da região e, ainda hoje, o sistema de drenagem é importante em sua economia, fornecendo água para uso doméstico, agropecuário, industrial e geração de energia elétrica. Os rios da região funcionam, ainda, como canais receptores e transportadores de rejeitos e efluentes.

- A população da Bacia, estimada em 3,5 milhões de habitantes, está distribuída em 228 municípios, sendo 202 mineiros e 26 capixabas. Mais de 85% desses municípios têm até 20 mil habitantes e cerca de 73% da população total da Bacia concentra-se na área urbana, segundo dados de 2007.

- Com rica biodiversidade, a Bacia do Doce tem 98% de sua área inserida no bioma Mata Atlântica, um dos mais importantes e ameaçados do mundo. Os 2% restantes são de Cerrado. Pode ser considerada privilegiada, ainda, no que se refere à grande disponibilidade de recursos hídricos, mas há desigualdade entre as diferentes regiões da Bacia.

 

A Bacia do Rio Doce é composta por seis comitês mineiros. São eles: CBHs Piranga, Piracicaba, Santo Antônio, Suaçuí, Caratinga e Manhuaçu. E cinco CBHs capixabas: Guandu, Santa Maria do Doce, Santa Joana, Pontões e Lagoas do Rio Doce e Barra Seca e Foz do Rio Doce), além do próprio CBH-Doce, como comitê federal de integração.

 

Fique por dentro:

O Instituto BioAtlântica (IBIO) é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2002 por indivíduos, empresas e ONGs ligadas ao tema sustentabilidade. Trabalha com o poder público, a sociedade civil e o setor produtivo para melhorar a qualidade de vida e do meio ambiente no Brasil. É formado por profissionais qualificados, com conhecimento e experiência em restauro florestal, agricultura sustentável, ecologia da paisagem, gestão de bacias hidrográficas e adaptação às mudanças climáticas. Busca modelos que viabilizem investimentos em infraestrutura natural, como forma de aumentar a resiliência de bacias hidrográficas.

 

Saiba mais:

www.ibioagbdoce.org.br

www.cbhdoce.org.br

 

 


Leia mais:

Bacia do Rio Doce: Aqui nasceram as Minas

 

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