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Segunda, 06 de novembro de 2017

"Os destruidores da Amazônia estão no congresso"

Luciano Lopes e Luciana Morais - redacao@revistaecologico.com.br



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Astrini: Há uma relação muito clara no campo entre
morrer as árvores ou as lideranças. Normalmente, elas
estão no mesmo lugar ou são vítimas da mesma política

Astrini: Há uma relação muito clara no campo entre morrer as árvores ou as lideranças. Normalmente, elas estão no mesmo lugar ou são vítimas da mesma política"

Em 12 de setembro último, um grupo de artistas e ambientalistas fez um ato público na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), contra os recentes retrocessos na legislação ambiental brasileira que impactam, principalmente, a Floresta Amazônica. Na ocasião, foi entregue ao presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um documento assinado por 1,5 milhão de pessoas contra o Decreto 9.147/2017, que extinguia a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma área de 4,6 milhões de hectares entre os estados do Pará e Amapá.

Além dos artistas, representantes de vários outros setores da sociedade se posicionaram contra o decreto, que causou repercussão negativa nacional e internacional, e acabou suspenso pela Presidência e o Ministério de Minas e Energia, com a justificativa de que o tema precisava ser “debatido com a participação da sociedade”. O decreto foi revogado em 26 de setembro, por meio de outro decreto: 9.159.

Em entrevista à Ecológico, o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Marcio Astrini, afirma que todos esses retrocessos na legislação fazem parte da ação de grupos de interesses instalados há tempos não na floresta, mas no Congresso Nacional. “Eles representam máfias, como por exemplo, a do desmatamento, dos madeireiros ilegais e de grileiros de terra. Enquanto o país não resolver tirá-las, a situação vai continuar como está.”

Para Astrini, que acompanhou os artistas durante a manifestação na Câmara dos Deputados, o maior desafio nesse sentido é o Estado fazer valer a lei: “O grosso do desmatamento é por conta de grilagem de terra, porque é um mercado extremamente lucrativo. A terra é pública, o sujeito entra e a toma para ele. E ainda consegue acesso a créditos públicos. Ou seja, a mesma terra que era pública, ilegal, o governo transformou em legal e privada - e ainda financia!”.

Confira:

 

Quais as principais ameaças enfrentadas pelo Brasil com o retrocesso das leis ambientais?

Temos sete pontos em questão. Começa com o da Renca. Depois, a questão indígena, que é a paralisação de demarcação de terras. Os políticos querem, inclusive, desfazer as terras já demarcadas e fazer o mesmo com as Unidades de Conservação (UCs). Temos também a questão da venda de terras para estrangeiros, a liberação de agrotóxico, o licenciamento ambiental e a MP 759, que facilita a grilagem de terra. Em paralelo, há a diminuição de recursos e da capacidade de fiscalização. Sem contar o sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), que é um grande problema, pois áreas indígenas são a maneira mais eficiente de se proteger florestas. Há uma grande teia de situações acontecendo e o pior resultado que já poderíamos medir nessa situação é o aumento das mortes de lideranças rurais e ambientalistas no campo. Dados coletados anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde 1988 mostram que 2017 é o ano mais violento da série histórica. E olha que ele ainda nem acabou.


A ONG Global Witness apontou que o maior número de mortes de defensores da floresta ocorreu em áreas de mineração, agronegócio e exploração petroleira...

Sim. E isso coloca o Brasil como o país mais violento para quem trabalha com a área ambiental no mundo! O levantamento da CPT é um pouco mais específico, porque classifica a violência como um todo e não só contra ambientalistas.E ela ocorre principalmente na Amazônia, que está sendo palco de várias chacinas, atreladas às áreas de disputa de terra e desmatamento, e são incentivadas pelo governo federal por meio dessa série de medidas.

Há uma relação muito clara no campo entre morrer as árvores ou as lideranças. Normalmente, elas estão no mesmo lugar ou são vítimas da mesma política.

 

Quais os próximos passos do Greenpeace para evitar esse “pacote de maldades”?

Temos três coisas muito bem definidas a fazer: a primeira é a união com diversas outras ONGs por meio do movimento #Resista. São 150 organizações, que vão desde sindicatos até entidades ambientais locais, juristas, associações de Ministério Público e cientistas. Agora, iniciaremos um processo mais insistente, de levar essas denúncias ambientais para mercados e públicos internacionais.

A nossa segunda estratégica é a parlamentar, com congressistas que podemos contar ou estão interessados em nos ajudar. Obviamente, o número é muito menor do que aqueles que querem atrapalhar o meio ambiente, mas mesmo com poucos congressistas esperamos traçar estratégias para impedir e atrasar votações. Vamos manter vigília constante no Congresso Nacional, que é o principal palco de retrocesso.

 

E a terceira ação?

Se as duas anteriores não forem capazes de segurar o avanço da agenda, aí vamos judicializar. Principalmente no Supremo Tribunal Federal (STF), a exemplo do que já aconteceu com a MP 759. Fizemos a denúncia, ela foi votada no Congresso, onde se transformou em lei definitiva, e fizemos o pedido de ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) junto à Procuradoria-Geral da República (PGR), que está correndo no STF.

 

Além de causar impactos ambientais, as medidas do e a flexibilização do licenciamento?

É outra proposta (PL 3.729/2004) que também fere a Constituição, e o Ministério Público já apontou várias inconsistências. E mais: vai provocar o aumento da judicialização de forma exponencial, a criação de uma “corrida” pela flexibilização entre os Estados, com a finalidade de atrair investimentos.

Com isso, teríamos uma verdadeira guerra para ver quem protege menos o meio ambiente, algo na linha do: “venha e invista no meu Estado, porque aqui a licença ambiental é automática, basta preencher um formulário na internet”. A flexibilização das exigências ambientais, no que se refere à dispensa de  apresentação de Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), também preocupa. Se for aprovado, o projeto abre precedentes para que tragédias como o desastre de Mariana (MG) se repitam pelo país. Afinal, sem estudos prévios, não há como avaliar o potencial poluidor ou a gravidade dos impactos gerados por determinados empreendimentos.

 

Qual é o maior desafio a ser superado em relação à grilagem de terras na Amazônia?

O Estado fazer valer a lei. Não só contra a grilagem, mas de qualquer recurso na Amazônia. Aliás, no Brasil inteiro e em quase todos os setores. O grosso do desmatamento ocorre por causa de grilagem de terras, porque esse é um mercado extremamente lucrativo. A terra é pública, o sujeito entra e a toma para ele. Com essa apropriação, ele acaba tendo uma situação muito vantajosa, pois não só se livra do crime como também realiza o lucro que antes era indefinido com aquela área. Olha que grande negócio se tornou a grilagem na Amazônia! Além disso, esse sujeito tem acesso a créditos públicos, como o Plano Safra, uma vez que ele quer a terra legalizada.

A mesma terra que era pública, ilegal, o governo transformou em legal e privada – e ainda financia! Não só repassou um bem público a um criminoso ambiental como também deixou esse criminoso propício a pegar o dinheiro financiado todo ano.

 

O problema da Amazônia não começou nesse governo. Você já afirmou inclusive que grupos de interesses instalados no Congresso tentam, há tempos, aprovar retrocessos ambientais. Qual a diferença hoje, diante da atual crise política, e como avalia a postura/condução de tais questões pelo presidente Michel Temer?

Esses grupos estão aí há tempos. A Lei da Grilagem (13.465, antiga MP 759), por exemplo, foi escrita há décadas. A diferença é que tivemos dois últimos governos [Dilma e Temer] extremamente fracos, que não têm projeto político, com baixíssima popularidade e capacidade de negociação.

E aí têm de ceder a um “toma lá  dá cá” muito explícito e o meio ambiente entra como moeda de troca. Quando querem votos para aprovar uma medida, eles pegam um projeto de lei engavetado há 20 anos e o transformam em medida provisória. No caso do Temer, há um agravante, porque a troca não foi por conta de “você aprova meu projeto e eu voto no seu”. Foi de forma mais explícita: “transforme meu projeto em medida provisória para que você continue no cargo e não vá preso”.

Temos um presidente que está sendo indiciado por crime comum de corrupção, obstrução à Justiça, com denúncias graves. Ou seja, ele corre o risco de não só deixar a presidência, mas também de ir para a cadeia. Quando a negociação chega a esse nível, tudo é possível.


Quais são as consequências desses retrocessos para a floresta e a imagem do Brasil?

Elas são principalmente comerciais. Além, claro, do aumento do desmatamento e da violência na Amazônia. Ainda não podemos afirmar que os números do desmatamento neste ano vão subir. Mas, com certeza, o que se devastar agora vai comprometer a floresta daqui a dois, três anos. Já a violência é o sinal mais claro que temos do que está acontecendo na floresta. Não há qualquer vergonha ou medo do poder do Estado, e as primeiras vítimas são os mais pobres, as lideranças e as comunidades tradicionais.

Apesar de as exigências do mercado com relação à proteção ambiental serem cada vez maiores, inclusive entre os consumidores finais e as grandes marcas – que não querem ver o nome de suas empresas associadas à destruição de florestas – as “entregas” do governo brasileiro caminham em sentido totalmente contrário. Ou seja, o mercado quer menos desmatamento, o governo o aumenta. O mercado quer mais segurança, o governo suspende as legislações que dão transparência e segurança.

Há exemplos de reação contrária a esse tipo de postura?

Uma delas partiu do governo da França, que reafirmou a importância do combate às mudanças climáticas para o povo francês e a decisão de não aceitar produtos que resultem do desmatamento, tendo citado nominalmente a Amazônia. Nos acordos entre a Comunidade Europeia, a situação é semelhante. Em junho, um grupo de deputados europeus pediu que a negociação para criar um acordo de livre comércio com o Mercosul fosse suspensa, diante da crise política no Brasil. Essas são reações explícitas e mostram a que ponto o Brasil chegou. Isso acontece porque não temos governantes que se importem com o país, mas apenas com seus mandatos. Todo o restante fica para escanteio.

 

Em relação à ausência de debate público no que se refere às decisões que envolvem o meio ambiente: como avançar e evitar mais desmandos?

O debate público não existe por própria iniciativa do governo. Veja a questão da Renca. É errado dizer que não houve debate. Houve debate sim, mas com as mineradoras e com os investidores do Canadá, por exemplo. Tanto é que o próprio ministro de Minas e Energia teve três rodadas de conversa: uma no Canadá, outra na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e outra numa grande conferência com as mineradoras brasileiras. Ele não conversou publicamente. Quem participou da MP da Grilagem também foram os próprios interessados em terra.

 

A solução está em melhorar a política como um todo?

Sim. Não vai adiantar apenas a cobrança pública. Se formos vitoriosos em tudo que estamos lutando contra, quando chegar o fim de todo esse processo, vamos terminar com o que tínhamos anos atrás. Não existe nenhum avanço. Quando você reage a pautas ruins, não existe ganho. Existe, na melhor das hipóteses, empate. É preciso ainda mudar as relações com os políticos.

 

Como isso pode ser feito?

Hoje, existem no Congresso Nacional grupos que representam máfias, como por exemplo, a do desmatamento, dos madeireiros ilegais e de grileiros de terra. Enquanto o país não resolver tirá-las, a situação vai continuar como está. Em alguns governos, a situação tende a ser pior - como acontece no atual. Michel Temer acorda na Presidência da República todos os dias, mas não sabe se vai dormir no cargo. Outros governos podem ser mais fortes, com maior representação popular e menos dependência do Congresso, mas ainda sim vão sofrer as mesmas pressões. Uma opção de mudança seria a reforma política, mas ela avançou pouco. Trocar não apenas os governantes, mas também os representantes do Congresso, é algo, sem dúvida, urgente.

 

E sobre o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho. O que pensa ou espera dele como titular da pasta e também no relacionamento com os movimentos ambientalistas?

Convivi muito com ele quando era deputado e ainda convivo. Ele é bastante acessível e aberto ao diálogo, mas nenhum ministro de Meio Ambiente vai fazer milagre ou conseguir impor uma agenda. A pasta atual não tem força alguma, sua única expressão é fazer troca de votos por outras prioridades do governo, que luta para se manter vivo. O ministro fica “enxugando gelo” e ainda tem de se virar com outras formas de arrecadação para compensar as perdas de orçamento. Sem contar que, em casos como o da Renca e da MP da Grilagem, só descobriu que havia sido “traído” pelo governo através da imprensa. É importante ressaltar que o ministro tem um longo histórico de luta em favor do meio ambiente e, apesar do governo, é muito bom termos alguém como ele hoje no cargo. Do contrário, o que já é ruim poderia ficar ainda pior.

 

Qual a sua opinião sobre o Arpa, o maior programa de conservação de florestas tropicais do planeta, também abalado com o desmatamento no bioma?

É triste e difícil falar sobre isso, porque o Arpa é um programa vitorioso e exemplar internacionalmente. Ele nasceu num momento em que o planeta engatinhava na discussão sobre mudanças climáticas e, de 15 anos para cá, esse debate suplantou o reduto de cientistas e ambientalistas e ganhou o mundo. Nesse caso, mais uma vez, estamos na contramão. Enquanto o mercado e o mundo caminham numa direção, o governo brasileiro caminha em outra totalmente oposta. Além de enfraquecer esse projeto pioneiro e que, internacionalmente poderia ajudar bastante o Brasil em termos do fortalecimento de sua imagem como grande produtor de alimentos e preservador de suas riquezas naturais, o governo federal usa toda a sua “competência” para atacar também o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

 

Apesar do atual caos político-ambiental, você é otimista em relação ao futuro da humanidade e do planeta?

Vejo coisas boas acontecendo. As pessoas estão mais conscientes e preocupadas, em especial essa geração que hoje tem 20 e poucos anos e já não aceita mais, não só na política, mas principalmente na área ambiental, situações que antes eram consideradas “normais”. Outro aspecto positivo é o fato de a questão ambiental e social, que caminham juntas, se tornarem cada vez mais importantes para os tomadores de decisão e para a imagem de mercado. Acredito que vai demorar um pouco, mas com o tempo essa visão passará a influenciar também nas eleições, nas escolhas que o brasileiro fará ao ir às urnas. Sociologicamente falando, essa é a transição que se espera.

 

E o lado negativo?

É o mesmo de sempre: enquanto essa mudança não ocorre de fato e na prática, a floresta continua sendo destruída, o planeta segue se aquecendo. Infelizmente, no Brasil, ainda não temos a ação, a velocidade e a ambição necessárias para resolver esses problemas, nem em termos de participação em acordos de clima internacional e menos ainda no que diz respeito a políticas públicas sérias. O pior de tudo é que os impactos ambientais e relacionados ao clima vão vitimar principalmente os mais pobres, e não os mais ricos, aqueles que se corrompem, que aceitam propina e aparecem na TV por mau uso do bem público. Os mais afetados serão aqueles que mais dependem da rede de atendimento público. O morro vai desabar, o rio vai encher, a comida e água tendem a ficar mais caras e em cidades costeiras, como o Rio de Janeiro, estudos comprovam que vários hospitais públicos serão atingidos, em caso de aumento do nível do mar. Os mais frágeis são exatamente os que mais sofrerão.

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