Segunda, 06 de novembro de 2017

Quem não se comunica...Se trumbica e não constrói opinião pública

Hiram Firmino - redacao@revistaecologico.com.br



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Wiliam Waack e o mundo da mineração: mea-culpa histórico

Wiliam Waack e o mundo da mineração: mea-culpa histórico

Manhã ensolarada, quente e cinzenta do dia 18 de setembro último, data da abertura do 17º Congresso Brasileiro de Mineração – a Exposibram 2017. Queimadas criminosas ainda devastavam os contornos e nascentes do Parque Estadual do Rola-Moça, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que o próprio setor minerário ajuda a proteger, inclusive contribuindo para apagar o fogo. Até a data de realização do maior evento de mineração da América Latina parecia ter sido propositadamente escolhida pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram): véspera do “Dia da Árvore”, da “Semana Florestal” e da entrada da primavera. Tinha tudo, enfim, para o setor se comunicar de maneira ecológica, inclusiva e propositiva com a opinião e a reputação pública.

Auditório Turquesa, o principal do evento, logo após os convidados descerem a rampa que dá acesso ao Expominas. Alguns deles talvez não percebam, numa placa ao lado, a lembrança in memoriam de Fernando Brant. O compositor mineiro e parceiro eterno de Milton Nascimento nos faz recordar que não há separação entre natureza, mineração e sociedade: “Sou do mundo, sou Minas Gerais”.

Somos todos mineiros - lembrei-me do brado incansável de Fernando Coura, ex-presidente do Ibram. Minerados e mineradores, todos temos razões de sobrevivência, na busca igual da sustentabilidade. Essa é a democracia maior e apartidária da ecologia.

Amor e ódio, produção e produto, mineração e consumo, somos todos responsáveis, enfim, sob a ótica ambiental, pelo que fazemos com a finíssima crosta terrestre de um terço do planeta, e vamos colher o resultado juntos depois, como em “Avatar”.

 

ABERTURA OFICIAL

Após os discursos de sempre, teve início o talk show sob o comando novamente do jornalista William Waack, apresentador do Jornal da Globo. E ele mostrou a que veio. Como nas edições anteriores da Exposibram, “puxou a língua” dos líderes representantes do setor mineral ao seu lado. E... surpresa histórica! Pela primeira vez eu os vejo e ouço, sem aquela pitada de arrogância do passado, fazendo o seu mea-culpa pela imagem negativa que têm perante a opinião pública. Ao contrário, se posicionando também pelo que fazem de positivo e não é informado à população: “Nós perdemos, sim, a interlocução com a sociedade”, admite Vicente Lobo, representante do Ministério de Minas e Energia. “Tudo problema de comunicação” - lembra ele, com razão.

É sempre a natureza e a comunicação correndo atrás da engenharia e da produção, com danos indeléveis para a imagem pública do setor. A mineração ainda esquece que, na natureza, o cacarejar da galinha quando bota um ovo não é à-toa. É dever, informação e educação ambiental em nome da sobrevivência e multiplicação da sua espécie.

“A verdade é que a gente se preocupa, faz e fala muito em meio ambiente sim. Mas somente no âmbito da mineração”, acrescenta Otávio Carvalheira, CEO da Alcoa World Alumina Brasil, fazendo um contraponto à atitude e espaço na mídia que Gisele

Bündchen consegue ao empunhar a bandeira da Amazônia fora do Brasil, vide o desastrado episódio da Renca. “Será que ela sabe o que fazemos de bom?” - ele pergunta aos seus pares no palco. Clóvis Torres Júnior, diretor-executivo da Vale, dá um exemplo de dificuldade do setor, mesmo querendo fazer a coisa certa: “Mesmo inovando de maneira sustentável e obtendo licença social, quando, por exemplo, precisamos de uma anuência da Funai para implantar um projeto que trará benefícios para toda a sociedade e o próprio meio ambiente em volta que vamos preservar, o que acontece? Deparamos com maisuma instituição dentro de um sistema ambiental  de governo todo desaparelhado. E tudo é paralisado, em prejuízo de todos”.

Mas foi Tito Martins, CEO da Votorantim Metais, quem mais se referiu às lágrimas da top model e ambientalista brasileira: “Não sei por que a Gisele chora, se somos, ao contrário de como a sociedade nos vê, especialistas em meio ambiente”.

Ele e ela estão certos, penso em silêncio, mineiramente. Não há como negar que o maior número de empresas, consultores e profissionais ligados ao meio ambiente, envolvendo biólogos, geógrafos, engenheiros, comunicadores e educadores ambientais, etc. estejam hoje empregados nas empresas de mineração. E se degradam e destroemtanto a natureza e depois a recuperam, ainda sem o sentimento de gratidão e pertencimento (e bem menos do que a maioria dos ambientalistas defendem), não há como negar. São também elas que mais preservam o que resta de meio ambiente no país, incluindo a Amazônia.

A única porção do bioma que restou hoje no Sul do Pará deve-se à Vale, por força compensatóriam no seu processo de licenciamento ambiental. Foi ela, não por ser boazinha nem por amor à natureza, que criou e preserva os hoje quase 400 mil hectares da Floresta Nacional de Carajás, a um custo anual de R$ 25 milhões. Fora dali, desta área verde equivalente a 400 mil campos de futebol interligados, partindo do planalto central de Brasília, não existe mais nada de vegetação natural. Foi tudo devastado.

Virou pasto, garimpo, grilagem e degradação.

Outro exemplo, mais perto, o evento lembrou: a Mata do Jambreiro, adotada pela ex-Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), atual Vale, durante a produção já desativada da Mina de Águas Claras, em Nova Lima (MG), atrás da Serra do Curral. Trata-se da maior reserva do bioma de Mata Atlântica em transição para o Cerrado preservada em toda a região metropolitana da capital dos mineiros. Ao seu redor, prossegue a mesma degradação, notadamente pelo avanço imobiliário insustentável.

 

CONFIANÇA E REPUTAÇÃO

Elevei minhas expectativas, enfim, com o que os palestrantes diziam sobre esperança ali no talk show. E não gravei nada, confiante no que estava expressamente garantido na programação oficial da Exposibram: “As palestras apresentadas serão disponibilizadas no site do Ibram, após a realização do evento”.

Mesmo assim, desconfiado como todo mineiro, pedi para a minha equipe de jornalistas recorrer à assessoria de imprensa e garantir logo tão inovador conteúdo. Nosso objetivo era divulgar, na íntegra, tanto na versão impressa quanto digital, para todos os nossos leitores, tudo o que de luz e entendimento o setor mineral acabara de comunicar ali.

Mais desconfiado ainda, resolvi ir direto ao colegaPaulo Henrique Soares, diretor de Comunicação do Ibram: “Pode deixar”, ele anotou. E prometeu: “Vou ver isso e te retorno”. Os dias foram assim. Passaram. Minha equipe não conseguiu nada. Só desinformação truncada. No último dia, antes de me encontrar novamente com ele, passei na assessoria de comunicação do evento: “E aí, que dia as palestras serão disponibilizadas, já que vocês gravaram e filmaram tudo? Estamos no fechamento da próxima edição da Ecológico”.

A resposta veio uníssona: “Somente daqui a dois meses. E ainda teremos, antes, de obter autorização com cada um dos palestrantes para divulgar o material”.

 

SILÊNCIO MINERAL

Nervoso, fui então ao Paulo Henrique. Ele anotou, novamente, como um bom comunicador. E eu confiei outra vez, acreditando e apostando na tal nova reputação em construção do setor:“Fique tranquilo. Vou ver isso e te retorno” – repetiu- me ele.

Até hoje continuo aguardando o seu retorno. Seja pessoalmente, por telefone, e-mail... Ou via WhatsApp, cujo aparelho celular, a maioria da população e da opinião pública ainda não deve saber, depende de 43 minerais diferentes para a sua fabricação.

Foi o que aconteceu também, equivocadamente, com o painel “O novo futuro da Bacia do Rio Doce”, a cargo da Fundação Renova, entidade criada após o acidente de Mariana, sobre os trabalhos de recuperação e reparação socioambientais que ela conduz de maneira profissional e independente.

Mas até hoje é criticada por não se comunicar com os ambientalistas e a sociedade. E, assim, não ajudar como poderia, a Samarco a voltar logo a funcionar, de maneira  sustentável e necessária, já que a Prefeitura de Mariana e sua população dependem, dramática e respectivamente, de 80% dos recursos vindos de seus impostos e dos empregos para sobreviverem.

Mas até hoje é criticada por não se comunicar com os ambientalistas e a sociedade. E, assim, não ajudar como poderia, a Samarco a voltar logo a funcionar, de maneira sustentável e necessária, já que a Prefeitura de Mariana e sua população dependem, dramática e respectivamente, de 80% dos recursos vindos de seus impostos e dos empregos para sobreviverem.

Ainda paralisada, a empresa já tem garantida, mesmo oficiosamente, todas as licenças necessárias: ambientais, sociais e políticas. Ou seja, só lhe falta a licença maior, que é a da reputação pública, e esta passa necessariamente pela comunicação.

Por tudo isso, por se tratar de mostrar o que o setor tem feito para reparar tanto a maior tragédia socioambiental já causada na história da mineração brasileira como na sua imagem pública, tipo um divisor de águas antes e depois de Mariana, era de se esperar, e a imprensa gosta de cobrir, um lugar de destaque na Exposibram. De preferência na abertura oficial, na esteira da mensagem e da pegada do talk show de abertura.

Não foi assim. Em vez do Auditório Turquesa, a FundaçãoRenova apresentou seu painel no Auditório Turmalina, o menor, e para um previsível público pequeno no último dia e horário do evento. Foi uma pena. Intermediado pelo presidente da Fiemg, Olavo Machado, e o secretário-adjunto estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Germano Vieira, o presidente da Renova, Roberto Waack – primo do jornalista global William Waack – surpreendeu a plateia. Tranquilo e sereno, ele projetou uma nova e competente apresentação técnica do que a Fundação se propôs e vem fazendo, mais mineiramente impossível, dentro de sua missão maior. E dividiu com o público ouvinte, um “outro” planejado e compartilhado olhar sobre o futuro socioambiental para melhor da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, ao longo de mais uma década de atividades previstas pela Renova. Mostrou um modelo em curso inédito de governança.

Bem ao contrário, exemplificou, do processo de recuperação socioambiental que foi o conserto do horror de poluição industrial que ocorreu em Cubatão (SP), cujo processo de judicialização durou 40 anos: “Não é a Fundação quem, pretensamente, aponta e diz o que se deve fazer ao longo das áreas degradadas pelo acidente da Samarco. Mas a sociedade local atingida, que ouvimos e valorizamos atentamente. É ela quem diz, aprova, acompanha e fiscaliza o que devemos fazer”.Disse mais sobre as críticas que a Fundação recebe, por não responder a tempo e hora, a reclamação quase diária na imprensa tradicional pelos atingidos pela tragédia: “Entendemos e aceitamos suas reivindicações.Na maioria das vezes elas procedem, e já estão incluídas em nosso cronograma de ações”.

A questão crucial, compreensiva e de mão dupla, segundo Roberto Waack, é que um dia a mais na vida dos atingidos, sem ainda um lugar próprio para morarem, destituídos de sua história familiar e lembranças, é bem mais demorado. “É humanamente mais demorado”, ele concluiu, que os dias que a Fundação e seus colaboradores, mesmo empenhados, têm para restitui-los desses seus direitos legítimos.

“Por que a Fundação não divulga para o grande público, na mesma mídia tradicional que a critica, e não somente via digital, exatamente isso que vocês nos mostraram aqui?” – foi a segunda pergunta que lhe fiz, por escrito. Ele pouco respondeu à primeira, sobre quem compõe o Conselho Curador da Renova, cujos nomes e rostos ainda não são conhecidos.

E não viu, não lembrou ou não quis responder à segunda pergunta sobre comunicação. Saiu logo da mesa e foi cercado por outros jornalistas. A pergunta continua no ar: alguém sabe o que a Fundação Renova e suas mantenedoras vêm fazendo de maneira criteriosa e de concreto, superando desafios e criando esperança Rio Doce abaixo, quase dois anos após a tragédia de Mariana?

Eu, que sou da área e, convidado, já fui ver a situação in loco, passei a saber mais e mudei minha opinião.

Mas, e você, opinião pública? Vai aguentar esperar mais dois meses para o Ibram disponibilizar e lhe comunicar a esclarecedora palestra do Roberto?

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