Segunda, 06 de novembro de 2017

Uma polêmica em stand by

Governo federal revoga decreto que extinguia área protegida de 4,6 milhões de hectares na Amazônia e confirma o que todo mundo já sabe: meio ambiente é moeda de troca na política brasileira

J. Sabiá e Luciano Lopes - redacao@revistaecologico.com.br



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A MP 759 “abre a possibilidade de transferência de terras da União a grandes especuladores fundiários, anistia grileiros, enfraquece a reforma agrária e acaba com o conceito de uso social da terra”

A MP 759 “abre a possibilidade de transferência de terras da União a grandes especuladores fundiários, anistia grileiros, enfraquece a reforma agrária e acaba com o conceito de uso social da terra”

“A Amazônia é quase mítica.” Parece piada. Mas essa é a primeira frase do texto que apresenta o maior bioma brasileiro no site do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o órgão público oficial que zela pelos nossos recursos naturais.

A julgar pelas recentes mancadas ambientais do presidente da República, Michel Temer, que negocia a Floresta Amazônica com a bancada ruralista e empresários para se manter no poder, é desrespeitosa a nova “contribuição” que o atual governo está dando ao futuro da humanidade e do planeta ao relegar este paraíso de cinco milhões de quilômetros quadrados à condição de lenda.

Dois fatos ainda borbulhantes comprovam isso: primeiro, a tentativa de extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) – uma área de quase 47 mil km2 – por meio do Decreto 9.147/2017, liberando-a para a realização de pesquisas minerais pelo setor privado. Antes, apenas a União poderia fazer pesquisas no local. Com a decisão, que foi revogada em 26 de setembro último, a Renca corria risco de ser aberta para a atividade minerária, sob o pretexto de atrair investimentos para a região e fortalecer a economia do país.

A repercussão negativa nacional e internacional da possibilidade de extinção da reserva fez cair ainda mais a reputação do Brasil como potência ambiental. Ela já estava abalada desde junho passado, quando a Noruega, maior financiadora internacional de projetos de combate ao desmatamento no bioma amazônico, anunciou o corte de 50% (cerca de R$ 200 milhões) de investimentos nesses projetos, diante dos retrocessos recentes na política ambiental brasileira.

Em segundo lugar, foi a novela das Medidas Provisórias MP 756 (vetada integralmente) e 758 (vetada parcialmente e convertida na Lei 13.452/2017), como a Ecológico mostrou em reportagem especial publicada na Edição 98 (disponível no link goo.gl/YAgCHa).

Tais propostas alteram os limites da Floresta Nacional) do Jamanxim, no município de Novo Progresso (AM), do Parque Nacional do Jamanxim e do Parque Nacional do Rio Novo, desmembrando e deixando desprotegida parte da área de mais de 600 mil hectares.

Com isso, grileiros e posseiros ilegais seriam legalmente beneficiados, além de abrir precedentes para a construção de uma nova ferrovia paralela à BR-163, que traria mais desmatamento e danos à biodiversidade e às populações tradicionais da Amazônia. Temer revogou as duas MPs, mas aprovou em 11 de julho deste ano outra medida com anuência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal: a 759, conhecida como “MP da Grilagem”, que prevê a regularização fundiária de áreas urbanas e altera a legislação da reforma agrária.


 

Ambientalistas e entidades conservacionista criticaram o texto. Segundo a ONG Greenpeace Brasil, ele foi enviado ao Congresso sem participação da sociedade e de estudiosos da área.

“A MP 759 ‘abre a possibilidade de transferência de terras da União a grandes especuladoresfundiários, anistia grileiros, enfraquece a reforma agrária e acaba com o conceito de uso social da terra. Com isso, a medida resultará em aumento do desmatamento de florestas, a disputa pela posse de terras e, consequentemente, a violência no campo”, afirmou a ONG em seu site.

No caso da Renca, esse cenário pode não estar tão distante, justamente por sua riqueza mineral. Em 2016, 200 ativistas ambientais foram assassinados no planeta. Desses, 49 foram no Brasil. De acordo com levantamento da ONG Global Witness, a principal causa de morte está ligada a conflitos contra agronegócio, exploração madeireira e mineração.

Esta última, inclusive, permanece como a mais perigosa: 33 ambientalistas foram mortos por se oporem a projetos minerários e petroleiros e ao garimpo predatório.

No início de setembro, a reserva teve seu decreto suspenso por Michel Temer e o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Pinto, após enxurrada de críticas da imprensa internacional, artistas (leia mais a seguir) e até setores da base aliada. O governo prometeu um “amplo debate com a sociedade sobre as alternativas para a proteção da região. Inclusive propondo medidas de curto prazo que coíbam atividades ilegais em curso”.

Na nota publicada no site do Ministério de Minas e Energia (MME), foi determinada “a paralisação de todos os procedimentos relativos a eventuais direitos minerários” na área da reserva. E que “a iniciativa se dá em respeito às legítimas manifestações da sociedade e à necessidade de esclarecer e discutir as condições que levaram à decisão de extinção da Renca”.

À época, ficou definido que o ministério apresentaria ao governo e à sociedade as conclusões desse amplo debate em um prazo de 120 dias (que seria até o fim de novembro próximo), destacando as medidas de promoção do desenvolvimento sustentável da área, com a garantia de preservação, e detalhando como seria feita a pesquisa mineral pelo setor privado na Renca.

E é aí que mora o maior dos problemas: caso fossem liberadas as pesquisas no local, a possibilidade de se minerar a área seria uma realidade ameaçadora, tanto para a manutenção da delicada biodiversidade quanto para as comunidades tradicionais e o próprio governo federal, já que a fiscalização atual, em razão do desmantelamento do Ibama, é ineficaz para barrar a sangria da floresta.

Além disso, o potencial mineral da Renca é equivalente ao de Carajás, no Sudoeste do Pará, cujo legado de destruição socioambiental atraído pela mineração a história comprova.

 

FUGA ESTRATÉGICA

A primavera chegou e com ela não vieram só flores. A mobilização social que pedia a revogação do Decreto 9.147/2017 cresceu e obrigou o governo a rever a mancada ambiental de tentar extinguir a Renca. Para isso, usou a pouca sensatez que lhe restava para revogá-lo por meio de outro decreto (9.159), publicado no Diário Oficial da União em 26 de setembro.

Em nota publicada no Ministério de Minas e Energia, o governo federal afirmou que era necessário mais debate sobre o tema, mas sem informar a data prevista para isso. O texto também ressaltou que “as razões que levaram a propor a adoção do Decreto com a extinção da reserva permanecem presentes”. Um sinal claro de que a tentativa de extinguir a reserva e abrir caminho para a mineração no local está apenas em stand by.

A jornalista Miriam Leitão, em uma de suas colunas recentes em “O Globo”, sintetizou bem o sentimento dos brasileiros em relação a essa polêmica da reserva: “Ao desistir de extinguir a Renca, o governo disse que houve uma ‘incompreensão geral da sociedade’. Não é verdade. Todo mundo entendeu muito bem e isso é que foi um problema para o governo. Como apenas uma parte pequena do território de Renca estava fora das áreas de conservação, o que ficou claro é que o fim da reserva mineral era o começo do desmonte das reservas ambientais da região”.

GARIMPO ilegal na Amazônia: ameaça real diante de um Ministério do Meio Ambiente desvalorizado pelo governo

 

Saiba mais

Veja o parecer do governo federal sobre a revogação do Decreto em nosso site: www.revistaecologico.com.br
 

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