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Segunda, 06 de novembro de 2017

Artemísia das mulheres

Marcos Guião*



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Astemísia: Artemisia vulgaris. Foto: Marcos Guião

Astemísia: Artemisia vulgaris. Foto: Marcos Guião

Depois de quase uma hora de caminhada debaixo de um céu carregado de nuvens e uma eventual lubrina, me dei com a casa de Maria do Céu escondida dentro de um capão de mata que enfeita a baixada em derredor do Córrego Limoeiro.

Na latição da cachorrada ela surgiu na varanda e já se deslindrou em afetos e mimos do tipo de mãe recebendo filho apartado. Seu rosto corado e enfeitado pelos olhos negros e sorriso aberto dava conta da alegria e da acolhida sincera da qual me fazia sentir um seu.

Pois a coisa ali só deu seu começo e no contínuo fui conduzido até a cozinha, enquanto respondia à perguntação sobre meus meninos, minha mulher, o roçado e um ou outro amigo comum. Nem bem me sentei no pesado banco situado debaixo da janela, surgiu como por encanto um café fumegante enquanto as quitandas foram saltando de latas e vasilhas escondidas por todo canto. Aquilo sim era uma acolhida.

Relaxado, fui esticando conversa atoamente, até que surgiu na porta uma mucinha nova, de olhar avexado e delicadas mãos que procuravam um lugar de alento, sem sucesso. Apresentada, fiquei sabendo se tratar de Marinalva, filha mais nova de Zé Pequeno, que tava por ali uns dias na buscação de conforto para seus males femininos. Essa coisa de doente se mudar pra casa de Maria do Céu na cata de tratamento era fato continuado, mas num quis encabular a mocinha e esperei ela se desgarrar pra assuntar melhor o que tava se passando. Maria já tava com o almoço adiantado e enquanto ia mexendo numa panela ou outra, deu de me contar o ocorrido.

- Pois óia que cumadre Cleonice teve aqui pra me dá conta dos ocorridos com Marinalva nos últimos tempos. De pocos mês pra cá ela deu de arruinar os sentidos, foi ficando descabeceada, numa nervusia sem base. Muito nova, as regras dela se deram de consumir, a barriga danificada com muita cólica, as tripa dilorida e por aí se vai. Cleonice, que é madrinha, vendo esse desconforto todo deu ponto de trazer ela pra cá e agora ela já se vai se aprumando. Daqui uns dias já mando ela pra trás, gasta poco tempo. Indaguei qual foi o tratamento adotado pra resolver essa tanteira de queixas. 

- A principal é a artemísia (Artemisia vulgaris), essa plantinha pratiada que se vê aí no derredor da horta. O chá inté que é ruim, mas é bão demais de resultado. Enquanto ela enxugava as mãos sentada num canto da cozinha, seu olhar vagueou na fumaça do fogão e deu de falar manso.

- Tenho levado ela pra tumá uns banhos no córgo pra esparicê, saí um poco dessa cisma. A vida é uma lindeza, um milagre que abre suas cortina todo dia e a gente num põe reparo. Tem que se abrir os zói pra se vê o assombro que é um céu estrelado, a alegria das flô com a chegada dessa chuvadinha, a combinação das cor das pena dos passarim...

Ali ela ficou um tempo e eu nem me mexi pra num bulir com tamanho encantamento de suas palavras. Mais uma vez aprendi na simplicidade daquela situação que cuidar é muito mais que só dar um remédio.

Inté a próxima lua!


(*) Jornalista e consultor em plantas medicinais.

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