Terça, 05 de dezembro de 2017

O Recado Hídrico

Em encontro promovido pela Fiemg em Nova Lima, Sebastião Salgado e Lélia Wanick apresentam o programa “Olhos DÂ’Ãgua” aos empresários de Minas e mostram que é possível produzir água plantando árvores

Redação - redacao@revistaecologico.com.br



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Sebastião Salgado:

Sebastião Salgado:"É preciso tornar o produtor rural um parceiro contra a crise hídrica"

Em encontro promovido pela Fiemg em Nova Lima, Sebastião Salgado e Lélia Wanick apresentam o programa “Olhos D’Água” aos empresários de Minas e mostram que é possível produzir água plantando árvores

 

Um lugar com muito verde preservado à beira de um rio recuperado, no coração natural de Nova Lima. Foi nesse cenário, hoje Espaço Nature, que a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) deu mais um passo para levar a contribuição de Minas ao 8º Fórum Mundial das Águas, que será realizado em março de 2018 na capital brasileira.

O encontro com os empresários mineiros, um dia após a cerimônia da 8ª edição do “Prêmio Hugo Werneck de Sustentabilidade & Amor à Natureza”, foi realizado por meio do “Minas no Caminho das Águas”, iniciativa idealizada pela Fiemg para mobilizar e debater com a sociedade a importância do cuidado com os recursos hídricos.

Para mostrar mais um exemplo desse cuidado, a instituição convidou o fotógrafo Sebastião Salgado e sua esposa, Lélia Wanick, a apresentarem a metodologia e a tecnologia disponíveis no programa “Olhos D’Água”, do Instituto Terra, que vem transformando a região do Vale do Rio Doce, arrasada pela tragédia da mineração em Mariana.

Considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) um dos 70 melhores projetos de conservação de recursos hídricos do planeta, o “Olhos D’Água” atua diretamente na recuperação de nascentes, envolvendo diretamente os proprietários rurais, que se tornam produtores de água. E não apenas consumidores.

Resultado: desde 2012, mais de duas mil nascentes já foram recuperadas no Vale do Rio Doce, por meio do programa que também oferece qualificação profissional a jovens da região. Durante um ano, eles participam de um curso sobre técnicas de reflorestamento no Instituto Terra, em Aimorés (MG). São 30 vagas. Após a conclusão dos estudos, eles assumem o compromisso de ajudar a proteger 150 nascentes, de cada vez.

Confira, a seguir, o recado e o exemplo hídrico de Sebastião e Lélia:

 

"Podemos recuperar as 370 mil nascentes do rio doce"

Sebastião Salgado (*)

 

“A razão de estarmos aqui é falar de um projeto maior e exequível que temos hoje para todo o Vale do Rio Doce. O Instituto Terra foi criado por acaso. Recebemos um pedaço de terra e a primeira ideia era transformá-la em um projeto agrícola.

Quando vimos que ela estava inteiramente degradada, optamos por criar uma instituição ambiental. Não éramos, mas recuperá-la nos transformou em ambientalistas.

Criamos um projeto sustentado em algumas variáveis. A primeira foi a comunitária. Para nós, o ponto mais importante é a ideia de uma comunidade maior, começando no nosso município, na nossa sub-região, sub-bacia e depois na bacia hidrográfica.

A segunda foi a solidária. Se não houver solidariedade entre todos os agentes, das pessoas que trabalham no instituto, seus parceiros e a sociedade como um todo, esse projeto não seria realizado.

Outra variável é a ética. Todo o dinheiro angariado para o instituto foi totalmente aplicado nele. Hoje, somos a organização que mais plantou árvores no Brasil. Inclusive, um dos integrantes do nosso Conselho Diretor é a ex-ministra Izabella Teixeira, que é uma profissional do meio ambiente e afirmou sermos uma instituição ligada à parte rural da ecologia.A última variável é a ideológica.

Conseguimos criar, com o instituto, o que deveria ser criado pelo Estado. Somos e agimos como servidores públicos. O que fazemos é um projeto voltado para a população do Vale do Rio Doce.

Depois de recuperar a terra que tínhamos – a Fazenda Bulcão, onde plantamos 2,5 milhões de árvores–, criamos o maior viveiro de plantas nativas de Minas Gerais com capacidade para produzir mais de um milhão de plantas, de 100 espécies nativas por ano.

Temos, ainda, um centro de formação profissionalizante, algo que precisa ser mais estimulado e multiplicado neste país. Vamos para as escolas técnico-agrícolas da região e selecionamos os filhos dos proprietários rurais que fazem cursos secundários nelas e têm maior identificação com meio ambiente.

Eles residem por um ano no Instituto Terra para se especializarem em técnicas de reflorestamento e recuperação de nascentes. Lá, participam de um curso que é 80% prático e saem do instituto, cerca de 95% deles, já empregados.

Tivemos várias propostas de universidades para transformar esses jovens em universitários. Não aceitamos, porque a maioria é do interior e, se conseguirem diploma universitário, não ficarão no campo.

E eles são essenciais lá. São preparados para serem jovens recuperadores de nascentes.

Esperança hídrica

O projeto “Olhos D’Água” começou há cerca de oito anos. Temos três pessoas muito ligadas ao instituto: Eu, a Lélia e o José Armando Campos, que o preside. Todos faze- mos parte do Conselho Diretor e o instituto é gerido como uma empresa.

Somos auditados pela PricewaterhouseCoopers e tudo funciona de maneira transparente. Nesse projeto, concebemos uma iniciativa maior para todo o Vale do Rio Doce, que tem cerca de 370 mil nascentes. Com base na nossa experiência, a nascente de um rio não é s􀁹 aquela que fica na cabeceira.

São todas as outras que compõem os córregos, que vão formar os rios médios e toda a bacia. É preciso recuperar todas essas nascentes para se restaurar um rio principal.

Já recuperamos mais de duas mil delas. E estamos concluindo a recuperação de outras 500 para a Fundação Renova. Essa ação integra o projeto que propusemos ao governo brasileiro com o objetivo de criar um grande fundo para reparar os danos do acidente de Mariana.

A proposta era muito maior do que o que foi exigido pelo governo brasileiro às empresas envolvidas no acidente, mas acabou ficando em torno de R$ 20 bilhões.

Temos 370 mil nascentes para recuperar e a proposta da Renova é algo em torno de cinco mil, muito distante do necessário. Temos a tecnologia para recuperá-las – que é cercar, plantar árvores, assistir o proprietário rural e torná-lo um parceiro.

Afinal, se ele não abrir a porteira, não recuperaremos nada. Formamos os jovens da região, que são filhos dos proprietários rurais.

Eles se tornam responsáveis, durante três anos, pela recuperação de 150 nascentes.

O Instituto Terra fornece aos proprietários rurais os mourões, os grampos e o arame farpado para cercar a nascente, para que ela não seja invadida pelo gado ou tenha o entorno usado pela agricultura insustentável. Eles entram com o trabalho: plantam, fazem a cerca e os jovens formados pelo instituto atuam na assistência técnica. Também instalamos uma fosse séptica em cada propriedade rural.

É preciso manter um perímetro de proteção de cada fonte d’água. Por isso, plantamos também entre 400 e 500 árvores. Em uma recuperação ecossistêmica, são 2.200 árvores por hectare. A partir do segundo ano após o plantio, a nascente não seca mais, já produz água o ano inteiro.

Qual é a grande crise que vivemos hoje? A hídrica. As pessoas discutem apenas sobre o reservatório que baixou o nível de água. Ninguém pensa antes dele. A maioria 􀁍justifica a escassez dizendo que não choveu. Não. Não tem água porque não tem fonte de recuperação! Quando chove, mesmo pouco, se você cria um perímetro de árvores que retêm a umidade, assegura a infiltração e a vida da nascente. Ela volta a existir se forem plantadas árvores em torno dela.

A missão é plantar

O “Olhos D’Água” é o maior projeto hídrico hoje no planeta. E temos a proposta de levar os bons exemplos de Minas Gerais rumo ao Fórum Mundial das Águas. Convidamos a Fiemg, os empresários e as indústrias igualmente ameaçadas pela falta d’água no estado a atuarmos juntos.

A crise hídrica precisa ser resolvida hoje, porque começando a plantar as árvores agora, certamente teremos água daqui a 10 anos. Vamos fazer isso por partes. Se não começarmos logo, a segunda grande crise será a de eletricidade, porque ela é gerada nos grandes reservatórios, que só serão preenchidos se houver água nos rios.

Imagina se a eletricidade tiver de ser produzida a partir de um derivado de petróleo? Qual será o preço dessa eletricidade? Protegendo o curso de água, protegemos naturalmente também os reservatórios. Este é o momento para nos unirmos.

 O Estado é um grande parceiro ideológico, informador. Mas, no momento atual, ele não pode ser nosso parceiro. Por isso, estamos em busca de outros parceiros, em especial as grandes indústrias que precisam sobremaneira de água para tocar os seus negócios. Boa parte do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil é gerado no Vale do Rio Doce. Vamos sim, nos unir e levar esse bom exemplo para o Fórum Mundial das Águas.”

 

 A contribuição da Fiemg

Olavo Machado (*)

 

“Quero cumprimentar e parabenizar Sebastião e Lélia por todas as homenagens que estão recebendo aqui em Minas. Há pouco mais de um ano, vocês estiveram conosco na Fiemg. Você, Sebastião, não pregou no deserto: o que você mostra com suas fotos e ações tem nos inspirado e é o que temos procurado multiplicar aqui em Minas.

Motivados também pela intransigência do consultor e ex-ministro de Meio Ambiente José Carlos Carvalho, criamos o “Minas Sustentável”.

Lembro-me que, quando mostrei essa nossa ideia, ele disse que poderia dar certo. E deu.

Foi assim que optamos por caminhar na trilha da sustentabilidade. Eu já havia sido doutrinado pela Patrícia Boson (hoje secretária executiva do Conselho de Empresários do Meio Ambiente/CEMA - da Fiemg), quando tive a oportunidade de ser presidente da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec).

Naquela época, quando começoua preocupação com ecologia, ela e a equipe afirmaram que iriam meeducar para a ecologia. E conseguiram. Passei a fazer parte do grupo e entender que, dentro daquilo que nós, industriais fazemos, era preciso um compromisso sério com a natureza e a preservação ambiental. E buscamos praticar isso hoje.

Negócio é negócio, mas é possível ganhar dinheiro respeitando e preservando a natureza. A preocupação com a água aumentou nos últimos dois anos, quando o governador Fernando Pimentel decidiu fazer uma adutora no Rio Paraopeba, para levar água à Região Metropolitana de BH.

A partir dali, a Fiemg também se engajou na causa hídrica, porque havia um racionamento a ser feito e que traria muitos problemas para a indústria. Felizmente, conseguimos sensibilizar os empresários para que houvesse uma redução efetiva do consumo de água.

Esse nosso compromisso ficou ainda mais forte em uma de nossas visitas a Governador Valadares, quando constatamos que era possível atravessar o Rio Doce a pé, de tão seco e tão poluído que ele estava. Logo em seguida, veio o desastre da Samarco.

É óbvio que temos de lamentar muito, principalmente pelas vidas perdidas e também punir os responsáveis pelo acidente. No entanto, acredito que não podemos abrir mão do retorno da empresa à operação.

Isso é necessário para que as pessoas possam ter uma vida melhor, considerando principalmente os benefícios que uma empresa do porte da Samarco pode proporcionar.

O prejuízo que as pessoas, Minas e o Espírito Santo estão tendo, em razão das contribuições que a empresa deixou de fazer, é enorme. Temos de aprender com o que aconteceu em Mariana para fazer renascer um Rio Doce diferente, com suas águas preservadas.

Foi isso o que aprendi e tenho  tido total apoio dos empresários mineiros. Tenho certeza de que na Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (Findes), o propósito é o mesmo. Eles também sofreram muito com o que aconteceu.

Abraçamos a causa hídrica e a sustentabilidade porque reconhecemos sua importância. Se não cuidarmos disso agora, teremos problemas ainda mais sérios no futuro.

É com essa consciência que, juntos, transformaremos esse cenário. A Fiemg está dando a sua contribuição para construirmos um futuro mais hídrico e sustentável para todos.”

(*) Presidente da Fiemg.

 

 

Sob a ótica do produtor rural

“Tenho trabalhado em projetos ambientais no Rio Doce há mais de 30 anos. No Brasil, a situação das nossas águas é grave. Mas, em relação ao Rio Doce, ela é dez vezes mais séria e urgente. Neste sentido, o apelo feito pelo Instituto Terra é altamente pertinente. A Bacia do Doce enfrenta um acelerado processo de desertificação, além de sofrer com o assoreamento e uma série de problemas que levam ao empobrecimento dos proprietários rurais.

O principal desafio do projeto é não apenas engajar os produtores rurais, fazendo com que cerquem e protejam suas nascentes. Mas, sobretudo, pensar na recuperação das matas ciliares e nas áreas de recarga dos aquíferos. Sendo, então, necessário acrescentar contrapartidas que os estimulem nessa parceria maior.

Ou seja, investir em pagamento por serviços ambientais, para que pequenos fazendeiros e agricultores, que já lutam com muita dificuldade para manter suas lavouras, tenham recursos para proteger a água e o verde, sem comprometer o sustento de suas famílias.

Também é preciso investir em reflorestamento e na recuperação de pastagens, permitindo renascer, através da infiltração no solo compactado pela pata do gado, a vegetação e os veios d’água.

O Rio Doce só renascerá se tivermos programas que enxerguem e respeitem as diversidades e demandas da Bacia também pela ótica e viés do produtor rural, de forma a assegurar seu desenvolvimento e sobrevivência”.

Paulo Maciel, diretor da Lume Ambiental, especialista em Gestão Ambiental e Recursos Hídricos e Meio Ambiente, ex-coordenador pelo Estado de Minas Gerais do “Projeto Rio Doce/Cooperação Brasil - França” e do PIRHDoce – Plano Integrado de Recuperação da Bacia do Rio Doce

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