> Edições Anteriores > A Terra pede paz! > Natureza Medicinal

Terça, 05 de dezembro de 2017

Cajuzinho-do-campo

Tudo vermelhim e estalando de maduro

Marcos Guião*



font_add font_delete printer
Cajuzinho-do-campo (Anacardium humil)

Cajuzinho-do-campo (Anacardium humil)

Tudo vermelhim e estalando de maduro
 

O capim lanzudo dominava na fartura o campo ressecado, desconsiderando miudezas discretas que, sem sucesso, tentavam se mostrar. Cansado e com fome, dei assento no sombreado do pequizeiro no fofo da folhagem amontoada, não sem antes dar sentido de rastro de algum bicho mau. O saco que carregava tava inté leve e dispus de lado enquanto assuntava o tempo na busca de algum sinal de chuva, mas... quá!

O céu limpo e a friagem daquela manhã sinalizava tempo seco. Carecia de esquentar o dia e a noite pra entrar a formação das nuvens carregadas, que tavam minguadas desde o fim do outono. Com tanta secura tava inté difícil de achar as plantas encomendadas, pois as folhas tavam judiadas no amarelado da insolação insistente. Lá, uma ou outra vinha na brotação sinalizando que as águas num tardavam.

De longe corri os olhos na figura esguia de Chico da Mata barulhando na cata de umas folhas aqui outras acolá. Com o enxadão atravessado no ombro, o chapéu ensebado dava sombra ao rosto vincado pelos muitos ciclos vividos, mas o semblante enfeitado por um eterno sorriso dava leveza e acolhia a todos indistintamente. Disponível sempre, ele já tava há horas na cata e na arrancação de uma tanteira de planta, tudo encomenda de um bando de gente que bate na sua porta cotidianamente.

Anota uma coisica aqui ou investiga mais fundo uma queixa, ouvindo com delicadeza e atenção a todos e todas. Com a cabeça lúcida, ali mesmo já tá viajando pelo Cerrado anotando o endereço de cada planta a ser buscada. E eu tava ali na rabeira da história aprendendo no fazer o sentido da serventia de cada planta e a alegria de servir ao próximo.

De repente ele estacou, levantou a aba do chapéu e correu a cabeça prum lado e outro até cruzar o olhar comigo. Fez um leve sinal e num tim eu já tava do lado. Foi quando vi aquela tanteira de cajuzinho-do-campo (Anacardium humile), tudo vermelhim e estalando de maduro. Num me fiz de rogado e caí o queixo em cima de manjar tão meloso, enquanto ele arrodeava até se dar numa moita ao lado sem frutos ou flores. Com cuidado ele desceu o enxadão e foi separando as raízes avermelhadas do cajuzinho, enquanto explicava as aplicações da planta.

- “Essa raiz tem servidão nos casos de mulher, principalmente. Aquilo de escorrimento, dor antes das regras ou inté inflamação dos útero ela repara. Carece só de butá as raiz bem picadinha numa garrafa de vinho seco, deixá uns dia e daí toma uns golinho todo dia. Num gasta muito tempo não e é inté chique tomá remédio de vinho, né mesmo?” Enquanto falava, Chico foi cortando as raízes em pedaços menores, colocando no saco e depois jogou terra por riba do buraco escavado “pra dá outra brotação aqui quando eu vortá”. Pois é assim, no simples, que o remédio dá.

Inté a próxima lua! 

(*) Jornalista e consultor em plantas medicinais.
 

 

Compartilhe

Comentários

Nenhum comentario cadastrado

Escreva um novo comentário
Outras matérias desta edição