Terça, 02 de janeiro de 2018

Néctar dos deuses

Uso abusivo de pesticidas, eventos extremos causados por mudanças climáticas, poluição do ar e desmatamento aceleram perdas de colmeias em todo o mundo, ameaçando abelhas e, consequentemente, a produção de mel

luciana Morais - redacao@revistaecologico.com.br



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Uso abusivo de pesticidas, eventos extremos causados por mudanças climáticas, poluição do ar e desmatamento aceleram perdas de colmeias em todo o mundo, ameaçando abelhas e, consequentemente, a produção de mel

 

Há tempos ele inspira citações na literatura e na música. Ingrediente “mágico” na culinária, dá vida a múltiplas e deliciosas combinações, seja acompanhando saladas, molhos e carnes ou fazendo a festa do paladar em sobremesas. No dicionário, é descrito como fluido viscoso e açucarado, de cor amarela a amarronzada, produzido pelas abelhas.

Sim. Ele é o mel. Alimento natural e de grande valor nutritivo, contém açúcares, água, sais minerais, vitaminas e outros nutrientes. É elaborado pela abelha a partir do néctar coletado das flores e também das secreções provenientes das plantas, desidratando e adicionando enzimas.

Sua composição média equivale a 18% de água (não podendo ser maior que 20%) e cerca de 81% de açúcares (principalmente frutose, glicose, sacarose e maltose). O restante é composto por aminoácidos, vitaminas, enzimas e sais minerais.

Facilmente assimilado pelo organismo humano, o mel fornece bastante energia. Cada 100 gramas equivalem a cerca de 320 calorias. Largamente empregado na produção de fármacos e cosméticos, é indicado para manter e restaurar a beleza da pele. Graças às suas enzimas naturais, limpa a pele de forma profunda e elimina toxinas, atuando também na esfoliação e hidratação. Rico em antioxidantes, tem ainda efeito antienvelhecimento, ajudando a controlar rugas precoces.

 

Perda de colônias

Considerado um dos produtos mais nobres da apicultura, a oferta de mel está diretamente ligada a um tema que é motivo de preocupação em todo o mundo: a perda de colônias de abelhas. Nos últimos anos, o impacto do uso de agrotóxicos, o monitoramento dos polinizadores em ambientes naturais e agrícolas e o efeito das culturas transgênicas para as abelhas estão entre os assuntos debatidos por especialistas de diferentes países.

Além do uso de pesticidas, outros fatores como eventos extremos causados por mudanças climáticas, poluição do ar e desmatamento seguido pela ocupação do solo por extensas monoculturas (milho, trigo e cana) também contribuem para o chamado Distúrbio de Colapso de Colônias, ou CCD, na sigla em inglês.

A preocupação faz sentido. Afinal, conforme matéria publicada pelo Ecológico nas Escolas em dezembro de 2014 (leia acessando o link goo.gl/hzxT45), as abelhas são responsáveis pela polinização de mais de 70 das 100 espécies vegetais que fornecem 90% dos alimentos consumidos no planeta.

Poucos sabem, mas espécies como o maracujá, a berinjela e o pimentão, por terem flores mais fechadas, precisam de polinizadores específicos. No entanto, a lista de frutas, vegetais e sementes que dependem das abelhas para se reproduzir é ainda maior, incluindo também uva, limão, maçã, melão, cenoura, amêndoa e castanha-do-pará.

Produtores de abelhas em todo o mundo, em especial nos Estados Unidos, relatam perdas de até 50% em suas populações de abelhas em colmeias. Em algumas regiões da China, elas nem existem mais. Uma das principais causas do desaparecimento desses insetos é o uso abusivo de inseticidas e agrotóxicos.

Substâncias presentes nesses produtos atingem o sistema nervoso e digestório das abelhas, desestabilizando seus voos e deslocamentos. Quando não morrem intoxicadas, elas perdem o caminho de volta, deixando a colmeia vazia. Em casos mais graves, não conseguem se alimentar e morrem por inanição.

 

Conscientização coletiva

A velocidade da perda de colmeias no Brasil também já acendeu o sinal vermelho. Há registros de perdas de 50 a 80 mil colônias em São Paulo, entre 2008 e 2017. Em Santa Catarina esse número ultrapassou 100 mil somente em 2011. Em Minas Gerais as perdas oscilam entre 20% e 40%, principalmente na região do Triângulo Mineiro.

Há ainda relato de um caso específico, na região de João Monlevade, com a perda de duas mil colmeias em 2013. No site Beealert também são citados casos nas cidades de Frutal, Passos, Lavras, Barbacena, Entre Rios de Minas e Jaboticatubas. No entanto, nesses locais, segundo pesquisadores, não há dados sobre o número de colmeias afetadas nem mesmo comprovação das causas da mortalidade.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mantém bancos de germoplasma em várias regiões do país, nos quais são conservadas colônias de mais de 20 espécies de abelhas. Ações voltadas para a conscientização coletiva sobre a importância delas, resgate de enxames em risco e incentivo à criação em ambientes urbanos têm sido promovidas por diversas ONGs, a exemplo da Bee or Not to Be e da SOS Abelhas Sem Ferrão.

O controle do uso de agrotóxicos e a substituição desses por defensivos biológicos também têm papel decisivo para reverter essa realidade, somados ao estímulo à produção familiar e ao consumo de produtos orgânicos pela população em escala global.

 

Entenda melhor

O mel deve ser conservado em embalagens bem fechadas, armazenadas em local fresco, livre de odores e sem receber luz direta do Sol. Sua coloração, aroma e sabor variam de acordo com a sua origem (florada).

A cristalização do mel é um processo natural e também está associada à florada, concentração de glicose, teor de umidade, temperatura ambiente e presença de partículas, como grãos de pólen. O mel cristalizado não perde suas propriedades nutricionais. Para descristalizar, basta colocá-lo em banho-maria, com temperatura inferior a 40ºC.

Em todo o mundo, há cerca de 20 mil espécies de abelhas. No Brasil, cálculos indicam a existência de duas mil a três mil espécies. A mais conhecida é a Apis mellifera, popularmente chamada de abelha de mel ou africanizada, que não é nativa do país. Ela foi introduzida nos séculos passados, com diferentes linhagens vindas da Europa e África. Aqui, se reproduziram e originaram a abelha africanizada. As abelhas nativas do Brasil são os meliponíneos ou abelhas sem ferrão (jataís, irapuãs, uruçus, mandaçaias), as mamangavas (Bombus e Xilocopas) e outras espécies de abelhas solitárias.

De acordo com a Confederação Brasileira de Apicultura, o setor gera 450 mil ocupações no campo e outros 16 mil empregos diretos no setor industrial. A produção mundial de mel é da ordem de 1,2 milhão de toneladas, tendo o Brasil como o sétimo maior produtor e o quinto em exportações. Cerca de 80% do mel brasileiro é produzido em pequenas propriedades rurais. O Piauí é o maior produtor da Região Nordeste, que beneficia 10,9 mil toneladas/ano.

No Norte de Minas, a produção de mel recebe incentivos da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Novos equipamentos apícolas estão fortalecendo a atividade de 45 famílias vinculadas à Associação dos Apicultores de Bocaiuva (Apiboc), que produz 180 toneladas de mel/ano.

 

Características de cada florada

Assa-peixe

As folhas são indicadas para tratar resfriados e bronquite. Seu mel tem efeito tônico, depurativo do sangue e calmante.

Laranja

Mel de efeito calmante, atua no controle da febre e como regulador intestinal. Tem coloração clara e sabor suave.

Eucalipto

Combate bronquite, tosse e asma.

Cipó-uva

Popularmente conhecido como croapé e cipó-três-quina, seu mel tem ação antioxidante e favorece o bom funcionamento do fígado.

Alimento integral

Três perguntas para Karin Honorato | Nutricionista clínica, esportiva funcional e fitoterápica, diretora Técnica e Administrativa da Clínica Trinutrix em Belo Horizonte

 

O mel é rico em açúcares simples (glicose e frutose etc.). Quais os seus diferenciais nutritivos quando comparado, por exemplo, ao açúcar cristal?

O açúcar cristal não é um alimento integral, ou seja, puro. Ele passa por várias etapas de processamento, o que acarreta perdas nutricionais. O mel, por sua vez, é um alimento puro, rico em minerais como selênio, cobre, fósforo, ferro e também vitaminas (complexo B e C), além de conter substâncias antioxidantes (flavonóides e fenólicos). Quanto mais escuro, maior a concentração de minerais. Quanto mais claro, maior a concentração de vitamina C, com ações antibacterianas e várias outras funções terapêuticas que o açúcar não tem.

 

Diabéticos podem consumir mel ou há restrição? E para quem está fazendo dieta: qual é a recomendação?

Tanto o diabético quanto quem quer perder peso precisa controlar a quantidade de carboidratos consumidos (o mel é um carboidrato); e para cada pessoa e para cada objetivo ou necessidade há um limite de quantidade de carboidrato ao dia ou por refeição. O mel é um carboidrato simples que deve ser bem controlado em ambos os casos, mas não precisa ser eliminado se a quantidade para a pessoa estiver correta. A recomendação dos carboidratos, para ambos os casos, deverá ficar abaixo de 40% da necessidade diária. Isso deve ser considerado não só para o mel, mas para todos os carboidratos juntos.

 

Em relação às crianças, a partir de que idade é indicada a inclusão do mel na alimentação e quais os benefícios dele?

A recomendação é usar somente a partir de um ano, pois o mel é um alimento cru. Ele é antimucolítico, ou seja, diminui catarros e combate tosses e inflamações respiratórias. A ação dos flavonóides ajuda a diminuir o risco de desenvolver doenças cardiovasculares e melhora a resposta imunológica. Atua, ainda, como antibiótico natural e anti-inflamatório, além de melhorar o funcionamento do intestino, graças à presença das fibras solúveis e à sua ação prebiótica, agindo beneficamente sobre a flora intestinal.

 

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