Terça, 02 de janeiro de 2018

Batata-de-purga

Empunhando o enxadão, deu de cavar com cuidado pra num ofender as batata debaixo da terra macia, pois ela se guarda na rasura

Marcos Guião (*)



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Empunhando o enxadão, deu de cavar com cuidado pra num ofender as batata debaixo da terra macia, pois ela se guarda na rasura
 

O sol queimava implacavelmente naquele meio de mundo e a caminhada seguia célere na buscação das raízes de batata-de-purga (Operculina alata). Distraído, num havia levado sequer um bonezinho e minha careca tava ardendo com força. Sem esmorecer, segui adiante de olho garrado na figura esguia de Chico da Mata, que desviava de um arbusto espinhento aqui ou descia o facão afiado por riba de um galho mais atrevido que cortava o caminho acolá. Fui disfarçando a trilha procurando conforto de algumas sombras das poucas árvores existentes por ali, sem muito sucesso. Quando, de repente, ele estacou ao lado de um pé de mulungu e disse:

- “Cheguemo... Essa batata se dá melhor nessas áreas de várzea, nas baxas. Ela gosta de terra boa, mais moiada. Agora nosso serviço é dá sentido donde ela tá...”

Havíamos descido da chapada e entrado exatamente naquele ambiente descrito por Chico. A partir daí, dei de abrir bem os olhos na procura por algum amontoado de cipó que estivesse se escorando num pau. Já tinha visto fotografia das flores secas nos livros. Mas ao vivo e em cores era a primeira vez. E a ansiedade é parceira dessas horas, né mesmo? Quando penso que não, óia que se dei com ela ali purinha, lindona, logo ali do lado, emperiquitada num freixo de assa-peixe. Chamei pelo Chico. Enquanto esperava dei reparo na boniteza de suas flores secas. Mas ele chegou num tim pra vaticinar que finalmente a gente tinha achado a perseguida.

Empunhando o enxadão, deu de cavar com cuidado pra num ofender as batata debaixo da terra macia, pois ela se guarda na rasura. Enquanto ia cavando e arrodeando-as, foi desfiando as serventias e os jeitos de preparar a batata-de-purga:

- “Dispois daqui, tem que deixa ela murchá em antes de fazer o remédio, senão a “rema” dela fica muito forte e o cabra pode se acabá de tanto cagá. Dispois de lavá bem direitinho, se tira as rodelas e passa num cordão, fazendo um rosário. E daí deixa secar. Quando o caso é de pereba pelo corpo, carecendo de depuração, ela afina e limpa o sangue, deixa a pele saudia e lisa. Mainha fazia o doce dela pra livrá nóis dos verme. Ralava aquela tanteira e dispois levava no tacho com rapadura, um poquito d´água, inté dá ponto. Aquilo ficava numa panelão e vez por outra a gente rapava uma colherada. Mas tinha que segurar a mão, senão a caganeira era certa. Pode tamém fazer o porvio, que dá mais trabaio, mas de resurtado é mió.”

Sem parar de cavar, ele foi falando e eu anotando:  “Rala as batatas numa gamela, joga água por riba e aperta aquela massa inté a água fica bem leitosa. Dispois espreme a massa num pano e recolhe a água, deixando ela depurar um tempo. Daí escorre a água de riba e leva o porvio que fica garrado no fundo direto no sol pra secar. A dose é uma colherinha todo dia. Dá trabaio, mas o resurtado é bão.”

Ter conhecimento desse tipo de prática é que faz do trabalho com as plantas medicinais uma gamela de sabedoria.

Inté a próxima lua!

(*) Jornalista e consultor em plantas medicinais

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