Terça, 02 de janeiro de 2018

"É preciso ter juízo de valor sobre o meio ambiente"

Atuou como diretor de prevenção à Corrupção da CGE, foi procurador-chefe do Igam, chefe de gabinete e subsecretário de Gestão e Regularização Ambiental Integrada da Semad. Antes de assumir a pasta, também foi chefe de gabinete da Feam e secretário-adjunto de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

Luciano Lopes, Luciana Morais e Bruno Frade - redacao@revistaecologico.com.br



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Atuou como diretor de prevenção à Corrupção da CGE, foi procurador-chefe do Igam, chefe de gabinete e subsecretário de Gestão e Regularização Ambiental Integrada da Semad. Antes de assumir a pasta, também foi chefe de gabinete da Feam e secretário-adjunto de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

Dizem os astrólogos que quem nasce sob o signo de Libra tem senso aguçado de justiça. Sente a necessidade de paz em torno de si e não assume compromisso sem antes ter uma opinião formada. O libriano também se adapta facilmente a ambientes difíceis e está sempre inclinado à conciliação.

Germano Vieira, novo secretário estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, tem esse perfil. Natural de Lavras, onde experimentou os primeiros contatos com a natureza, é o segundo servidor de carreira a presidir a pasta mais estratégica de Minas Gerais. Formado pela Faculdade de Direito Milton Campos, é especialista em Educação Ambiental e mestre em Direito Público pela Universidade Católica Portuguesa.

Nesta entrevista à Ecológico, ele aponta a questão do passivo do licenciamento ambiental como um dos seus principais desafios à frente da secretaria.

“Licenciar não significa trazer punição. E sim qualidade ambiental para algo que é possível e necessário para a sociedade. Algumas dificuldades da pasta são atemporais e o acúmulo de processos tirou o foco da nossa verdadeira agenda ambiental. Não somos uma secretaria de licenciamento. E sim de meio ambiente e desenvolvimento sustentável”, afirmou ele, que também é professor da Escola Superior do Ministério Público Estadual.

Germano falou ainda sobre outros temas polêmicos, como a greve dos servidores da Semad, em 2016, e o impacto que ela teve para o aperfeiçoamento das condições de trabalho. Também impressionou ao afirmar que a Samarco, responsável pelo maior desastre ambiental da mineração brasileira, merece uma chance no âmbito operacional. E destacou que um dos maiores desafios do setor é “enxergar que as comunidades não são das mineradoras”.

 

Confira:

Como se deu o convite do governador para assumir a secretaria?

Fiquei lisonjeado. Estar à frente dela é desafiante. Hoje, a Semad é reconhecidamente a pasta que mais tem dado respostas para o Governo. E quem reconhece isso é o próprio governador. Algumas dificuldades são atemporais e o acúmulo de processos tirou o foco da nossa verdadeira agenda ambiental. Não somos uma secretaria de licenciamento. E sim de meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

 

No primeiro semestre deste ano, a Semad tinha mais de 3.500 processos de licenciamento parados. Houve avanços desde então?

A primeira coisa que fiz foi estabelecer as medidas gerenciais necessárias para que a Semad conseguisse, à medida em que os processos fossem entrando, fazer todas as análises necessárias. Isso contribuiu também para darmos uma resposta mais rápida e efetiva ao empreendedor, para ele se planejar melhor. A secretaria tem quase 26 anos. E 2017, foi o primeiro em que deliberamos mais processos.

 

Então, o licenciamento será um tema prioritário em sua gestão...

Certamente. Precisamos reduzir o passivo de licenciamento. Primeiro, porque, quando você licencia, retira o empreendimento da clandestinidade. Segundo, porque estabelece controle ambiental e monitoramento. Depois, há ainda o impacto socioeconômico positivo. E, quarto, os empreendimentos que estão regulares trazem compensações importantes em outras políticas. Têm uso adequado de água, porque é feito o monitoramento. Há destinação correta dos resíduos sólidos. A possibilidade de reunir dados sobre a qualidade do ar e entender melhor o impacto das mudanças climáticas também surgem como benefícios. Licenciar não significa trazer punição. E sim qualidade ambiental para algo que é possível e necessário para a sociedade. 

 

Quais são os desafios para 2018?

O maior deles é a racionalização da análise da nossa legislação. Ela precisa evoluir, considerando a própria evolução da tecnologia. Veja a questão do licenciamento trifásico, por exemplo. Ele não pode ser mais a regra uníssona para todos os tipos de empreendimento, porque isso se torna uma dificuldade para entendermos a área ambiental na integralidade. Alguns desses empreendimentos devem ser analisados concomitantemente e isso não traz perda de segurança, tampouco em termos de análise técnica. Queremos agilidade, o que não significa fragilidade ou superficialidade. Se você perguntar a um técnico se ele prefere analisar uma Licença Prévia de forma isolada ou junto com a de Instalação, ele irá escolher a segunda opção. Sabe por quê? Porque ele se dedica mais à análise da viabilidade do empreendimento, uma vez que terá mais segurança para estudar as fases do processo de forma global. Para casos específicos, criamos a Licença Ambiental Simplificada (LAS) e abolimos a Autorização Ambiental de Funcionamento por meio da Deliberação Normativa 49. A partir de agora, todo licenciamento ambiental terá de apresentar Avaliação do Impacto Ambiental prévia. Não apenas de um ato declaratório.

 

Há outros desafios ou gargalos?

A gestão da água: 2018 será o ano dela. Precisamos discutir as políticas públicas, a crise hídrica, a necessidade de recuperação das nascentes, matas ciliares e a criação de corredores ecológicos para termos mais segurança hídrica. Temos de produzir água. Levar os bons exemplos de Minas Gerais para o “Fórum Mundial das Águas”, que acontecerá em Brasília (DF) ano que vem. Outro desafio importantíssimo é a recuperação da Bacia do Rio Doce.

 

Falando em Rio Doce, antes de assumir a Semad, você foi secretário-adjunto. Como foi lidar com as questões relativas ao acidente da Samarco,em Mariana?

Como servidor de carreira, já vivi alegrias e tristezas. A alegria foi a possibilidade de trabalhar na racionalização dos serviços que prestamos à sociedade. Poder modernizar esse processo é fantástico. A maior tristeza, sem dúvida, foi trabalhar com a pauta negativa do acidente no Rio Doce. Sinto um desconforto enorme diante da situação em que o rio se encontra hoje. Mas, ao mesmo tempo, vislumbro o desafio da superação. Em 2017, não fiquei satisfeito com a realidade da bacia, pois estou convicto de que o Doce precisa – e pode – ficar melhor do que antes.

 

Como avalia a atuação da Fundação Renova no que se refere aos programas de revitalização?

Em um acidente sem precedentes como o ocorrido, o desenvolvimento de programas socioambientais e socioeconômicos é essencial. As respostas de como recuperar nascentes, matas ciliares, fazer a dragagem da lama, já temos. No entanto, o impacto socioeconômico também foi imenso e persiste. Afinal, nele temos as questões do subjetivismo e da valoração. Como mensurar o dano ambiental e socioeconômico de alguém que perdeu tudo: casa, vizinhança, modo e meio de vida? Para onde ele vai? Como vai viver? Não é algo fácil de resgatar e mensurar.

 

É sob essa perspectiva que a Renova enfrenta mais problemas?

Sim, porque é onde ela precisa se relacionar com o lado humano, com o sentimento de perda das pessoas. Acredito que seus representantes estão na direção certa, sobretudo no que se refere à recuperação ambiental. Hoje, a Bacia do Rio Doce é a mais bem monitorada do Brasil. São mais de 120 estações de monitoramento – da área do acidente, em Fundão, até a foz, no Espírito Santo. Os indicadores nos mostrarão se as ações desenvolvidas pela Renova irão realmente se refletir na melhoria da qualidade da água nos próximos anos.

 

E sobre o possível retorno da Samarco, qual a sua opinião?

Todos merecem uma segunda chance no âmbito operacional, desde que, para empreender, cumpram todas as exigências da legislação. Para que essa nova oportunidade seja realmente benéfica ao meio ambiente e a toda a sociedade, conforme já pontuei junto aos dirigentes da empresa, três requisitos essenciais precisam ser considerados: a segurança das estruturas remanescentes das barragens, o uso de novas tecnologias e alternativas de disposição de rejeitos e a comprovação da recuperação ambiental.

 

Em termos de imagem e opinião pública, qual considera ser o maior desafio da mineração?

As mineradoras têm capital e acionistas estrangeiros, muitos deles de antigos países imperialistas. O grande desafio é enxergar que as comunidades não são das mineradoras. Os moradores é que estão recebendo a mineração. Quando se percebe essa lógica, a forma de diálogo se transforma radicalmente. A nova mineração que esperamos é aquela que mais saiba reconhecer a necessidade de uma licença social, não só a técnica-ambiental. É preciso se colocar no lugar das pessoas.

 

O que o motiva a encarar o trabalho e os desafios diários?

Sempre busquei liderar, justamente por essa facilidade de ouvir e buscar entender as pessoas. Tento fazer o melhor para que todos estejam satisfeitos, felizes. Sou assim por natureza. Na agenda ambiental, na maioria das vezes, não é possível agradar a todos com as decisões tomadas. Aprendi que, diante uma crítica, você não tem de olhar só o conteúdo. Mas, sobretudo, a origem. Muitas vezes, dependendo de quem parte a crítica, ela pode ser considerada um elogio. O que me motiva é o desejo de fazer algo diferente. Precisamos trabalhar mais, no serviço público, com a soma de esforços entre governos. E não com a descontinuidade. Avanços e conquistas devem ser sequenciais.

 

Esse perfil conciliador éuma característica do seu signo, Libra...

Gosto de ser mediador, de me antecipar a tudo. Em um debate, todos devem sair satisfeitos. Se isso não acontece, é um atestado da ineficiência da discussão. Política não é a arte de convivência entre diferentes? Veja o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), por exemplo. É o melhor ambiente para se vivenciar isso. Por que temos um conselho com tamanha importância? Porque há a convergência de interesses de todas as ordens: setor produtivo, poder público, sociedade, universidades, entidades de classe. Na área ambiental, muitos conceitos são pré-concebidos e quando você senta à mesa para analisar, vai desconstruindo os discursos. É uma área em que não se pode criar dificuldades para vender facilidades.

Você é filiado a algum partido?

Meu partido é Minas Gerais. Trabalho para atender ao cidadão mineiro.

 

Ano passado, servidores da Semad entraram em greve, reivindicando melhores salários e condições de trabalho. Houve avanços nesse sentido?

Os servidores do Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) lidam com meio ambiente, com a vida. São uma categoria estratégica para o Estado e devem ser valorizados. Historicamente, a iniciativa privada sempre teve melhor condição de remunerar profissionais de meio ambiente do que o setor público. Isso foi um problema sério para a Semad, pois perdemos muitos colaboradores para empresas. Com isso, todo o conhecimento técnico também ia junto. Enfrentamos a greve durante dois meses. Depois disso, foi feito um acordo com o sindicato. O que os servidores mais queriam era a segurança na evolução profissional. Para isso, estruturamos um plano de carreira que vai virar lei. A proposta está pronta. Assim que sairmos do limite prudencial, o governo irá encaminhá-la à Assembleia, para votação em regime de urgência.

 

Até que esse plano de carreira seja aprovado, o que será feito para motivá-los no cumprimento de metas?

Elaboramos um Plano de Eficiência Ambiental, já publicado em forma de decreto, com objetivos e contrapartidas alinhadas ao plano de carreira. Agora, se o servidor bater a meta, receberá uma contrapartida, que será incorporada ao salário como ajuda de custo. Em dezembro, vamos estabelecer as metas para em 2018. Vale frisar que, em momento algum, os servidores da Semad afirmaram que o problema era só a remuneração. Eles queriam melhores condições de trabalho e isso já estamos oferecendo. Superamos as dificuldades enfrentadas na capacitação e no treinamento, aquisição de veículos, aquisição de computadores, mudança de sede, etc.

 

De que forma isso se reflete no atendimento ao público?

Agilidade e melhor eficiência. Hoje, não há filas nas Superintendências Regionais (Suprams). Os agendamentos são feitos por telefone. Lançamos também o serviço online de regularização da água, sem cobrança de taxa. Anualmente, recebíamos 20 mil pedidos de cadastros. Com a melhoria, de maio até agora foram 40 mil.

 

Atuou como diretor de prevenção à Corrupção da CGE, foi procurador-chefe do Igam, chefe de gabinete e subsecretário de Gestão e Regularização Ambiental Integrada da Semad. Antes de assumir a pasta, também foi chefe de gabinete da Feam e secretário-adjunto de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

Em termos de gestão, o que está sendo feito pelo governo estadual, por meio da Semad, que mereça destaque?

Acredito que o mais importante foi termos criado, por determinação do governador Pimentel, a Força-Tarefa do Sisema. Por meio dela, identificamos os principais problemas ambientais existentes. Foi feito um diagnóstico profundo, que resultou na Lei 21.972/2016. Com ela, reestruturamos as unidades administrativas do Sisema e de todos os órgãos vinculados. Entre as novidades dessa legislação, estão o aperfeiçoamento dos mecanismos de defesa da população que vive no entorno de grandes empreendimentos, o fortalecimento do Copam, a volta das câmaras técnicas, a municipalização e a reformulação do modelo de licenciamento ambiental adotado no Estado. 

 

É esperançoso em relação ao futuro do planeta?

Sou otimista. Vejo uma luz no fim do túnel. Mas, por outro lado, quando me deparo com as ações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fico desiludido. A forma como ele tem lidado com as questões relativas às mudanças climáticas é um retrocesso. É claro que o mundo precisa avançar. Mas, em certos casos, mais importante que avançar, é lutarmos para não retroceder.

 

Como avalia a importância da educação ambiental?

Quando fiz pós-graduação nesta área, estudei muito a questão do juízo de valor e sua aplicação no contexto do cuidado com a natureza. A educação ambiental é fundamentada na ética. Portanto, se não conseguirmos contribuir para que as pessoas tenham um juízo de valor sobre o meio ambiente e os recursos naturais, elas nunca irão protegê-los. Um menino que nasce hoje na cidade tem de ser educado ambientalmente. E temos de assumir nosso papel nessa formação.

 

Que legado pretende deixar como secretário de Estado?

O da modernização dos serviços. Meu sonho é que qualquer empreendedor ou demandante de serviços junto ao Sisema consiga fazer tudo de maneira fácil, rápida e prática. Todos têm o direito de serem atendidos com agilidade e saber em quanto tempo terão as licenças e as autorizações ambientais de que precisam, independentemente de elas serem concedidas ou não. A qualidade do serviço público também é uma forma de se respeitar o cidadão. 

 

 

Quem é ele

Germano Vieira, 36 anos, é advogado, professor universitário e servidor público estadual. Atuou como diretor de prevenção à Corrupção da Controladoria-Geral do Estado (CGE), foi procurador-chefe do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), chefe de gabinete e subsecretário de Gestão e Regularização Ambiental Integrada da Semad. Antes de assumir a pasta, também foi chefe de gabinete da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e secretário-adjunto de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

Saiba mais

www.meioambiente.mg.gov.br

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