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Segunda, 19 de fevereiro de 2018

O ciclo infinito do vidro

Vidro pode ser infinitamente reciclado sem perder suas características físicas e químicas. A cada tonelada reciclada evita-se a retirada de 1,2 tonelada de matéria-prima da natureza

Luciana Morais - redacao@revistaecologico.com.br



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Vidro pode ser infinitamente reciclado sem perder suas características físicas e químicas. A cada tonelada reciclada evita-se a retirada de 1,2 tonelada de matéria-prima da natureza.

Vidro pode ser infinitamente reciclado sem perder suas características físicas e químicas. A cada tonelada reciclada evita-se a retirada de 1,2 tonelada de matéria-prima da natureza.

A qualidade da limpeza urbana e a destinação adequada dos resíduos sólidos gerados seguem entre as prioridades a serem alcançadas por administrações públicas das diferentes esferas e regiões do Brasil. E não é por acaso. Hoje, mais de 80% da população brasileira vive em áreas urbanas. No entanto, a melhoria de infraestrutura e a oferta de serviços essenciais não acompanham o acelerado ritmo de crescimento das cidades.

Em consequência desse descompasso, os impactos do manejo inadequado de resíduos sólidos e da limpeza urbana deficiente são os mais variados sobre o dia a dia da população. Eles se refletem no lixo acumulado nas ruas e lançado em cursos d’água, nas sacolas plásticas que entopem bueiros e agravam enchentes, e na indignidade humana e ambiental dos lixões a céu aberto, com crianças e adultos expostos a doenças.

Apesar dessa realidade, experiências internacionais e locais mostram que é possível avançar na gestão de resíduos nobres, entre eles alumínio, vidro, plástico e papel, sobretudo quando tecnologia, vontade política e conscientização caminham de mãos dadas.

Atualmente, a taxa de reciclagem das embalagens de vidro no Brasil é de 40%. Entre os países com os melhores índices de reaproveitamento desse material estão Suécia (95%) e Alemanha (87%). O Brasil produz cerca de 980 mil toneladas de embalagens de vidro por ano, usando cerca de 40% de matéria-prima reciclada sob a forma de cacos.

Origem e usos

A invenção do vidro é atribuída aos fenícios, tendo sido usado também por sírios e babilônios desde 7.000 a.C., em adornos pessoais, joias e embalagens para cosméticos. No Brasil, a primeira oficina foi construída no século 17, em Pernambuco. Nela artesãos produziam janelas, copos e frascos. A automatização das fábricas, em escala industrial, se consolidou a partir do século 20.

Obtido a partir da fusão de matérias-primas, principalmente minerais, resfriado até uma condição de rigidez sem se cristalizar, o vidro resiste a temperaturas de até 150ºC sem deformar. Por isso, quando reciclado, mantém suas características físicas e químicas. O principal cuidado deve ser tomado no momento de separá-lo por tipo e cor, e de outros materiais. É preciso deixá-lo livre de impurezas para que possa ser 100% reutilizado.

Sua composição varia conforme a aplicação, mas basicamente ele contém: sílica, óxido de cálcio e óxido de sódio. O acréscimo de outros materiais e variadas técnicas de produção permitem criar tipos específicos, com características diferenciadas e adequadas a cada necessidade de aplicação. Assim, pela adição de produtos e variação nos processos de produção, também são determinadas sua forma, espessura, cor e transparência.

Economia de água

Versáteis, as embalagens de vidro permitem visualizar o produto nelas contido e, ao mesmo tempo, protegem contra radiações que o deterioram. Dependendo dos elementos introduzidos em sua composição, o vidro adquire a capacidade de filtrar a luz, deixando passar raios de certos comprimentos de onda e retendo outros.

Exatamente por essa característica, são usadas garrafas de cor âmbar (marrom) para cerveja e verdes para o vinho, pois elas impedem a passagem de radiações ultravioleta que podem afetar a qualidade das bebidas.

O uso do vidro para embalagens é uma de suas mais antigas e frequentes aplicações. Por ordem de consumo, os setores líderes são, nesta ordem, o de bebidas, a indústria de alimentos e a de produtos farmacêuticos/cosméticos.

 Nos últimos anos, muitos investimentos têm sido feitos pela indústria vidreira para viabilizar e estimular o retorno de embalagens à cadeia produtiva do setor.

Quando os cacos são agregados na etapa de fusão, diminui-se consideravelmente a retirada de elementos, tais como areia, calcário e dolomita, da natureza. Além de poupar recursos naturais, a reciclagem de vidro consome menor quantidade de energia e emite menos material particulado quando comparada à fabricação do vidro sem a incorporação de cacos.

A conta é simples: com um quilo de vidro se faz outro quilo de vidro com perda zero. Para cada 10% de cacos de vidro na mistura, economiza-se 4% da energia necessária para a fusão nos fornos industriais e 9,5% no consumo de água, além da redução nas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera.

Outras vantagens ambientais da reciclagem são a menor geração e, consequentemente, a redução do descarte de resíduos sólidos, bem como a queda nos custos da coleta urbana, contribuindo ainda para aumentar a vida útil dos aterros sanitários.

 

Entenda melhor

l A qualidade do caco de vidro é decisiva para a indústria. Cacos com impurezas ou contaminados podem danificar equipamentos, principalmente fornos, e levar à produção de embalagens com defeitos.

l Para evitar que isso ocorra, é preciso que as embalagens sejam beneficiadas, ou seja, tenham suas tampas e rótulos retirados, além de passarem por um processo de lavagem. Garrafas de vidro novas têm, em média, 40% de vidro reciclado em sua composição.

l A energia economizada com a fabricação de uma única garrafa de vidro com material reciclado é suficiente para alimentar uma TV por 20 minutos ou uma máquina de lavar roupas por 10 minutos.

l Uma tonelada de cacos permite a economia de 1,2 tonelada de matéria-prima. Para cada metro cúbico de vidro fabricado a partir de fontes primárias, é necessário extrair pelo menos 7 m³ de rocha.

l No Brasil, todos os produtos feitos com vidros correspondem, em média, a 2% do peso dos resíduos urbanos coletados. Nos programas de coleta seletiva o material responde por cerca de 7% do total recolhido.

l A integração dos serviços de coleta, triagem e beneficiamento do vidro para reciclagem gera empregos, promove inclusão social e garante renda a milhares de famílias. Em todo o país, catadores de materiais recicláveis têm papel fundamental na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída em 2010. Desde 2002, é uma atividade profissional reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com base na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), além de um importante serviço ambiental prestado a toda a sociedade.

l Na Alemanha, a população aprende a importância da separação dos vidros conforme sua cor, por meio de campanhas de educação ambiental nas escolas, empresas e locais públicos. Em todo o país há mais de 300 mil pontos de coleta de vidro, alcançando 97% dos domicílios.


Fique de olho: e faça a sua parte!

Vidro é bom

O programa ‘Glass is Good’, idealizado em 2010 pela Diageo, empresa líder no segmento de bebidas alcoólicas premium, já assegurou a reciclagem de mais de 14 mil toneladas de vidro. Esse volume equivale a cerca de 30 milhões de garrafas de um litro de vodca. Só em Belo Horizonte, onde o programa opera há um ano, foi reciclada uma tonelada e meia de vidro, com o apoio de bares, restaurantes e em parceria com a Rede Sol, Central Cooperativa Rede Solidária de Trabalhadores de Materiais Recicláveis de MG. A iniciativa reúne as maiores fabricantes de destilados no mundo – Diageo e Pernod Ricard –, além das cervejarias Heineken e Cia Muller e a Owens Illinois, líder mundial na fabricação de embalagens de vidro, cobrindo todo o ciclo do vidro.

www.diageo.com

 

Sistema de recompensa

Que tal trocar garrafas de vidro usadas por descontos em contas de luz, passagens de ônibus ou livrarias? Assim funciona o novo modelo da Retorna Machine, solução que incentiva a atitude sustentável e recompensa o cidadão pela colaboração com a logística reversa. O equipamento, criado pela Triciclo, foi pensado em conjunto com a Owens Illinois e implantado nas três fábricas e no escritório matriz da empresa no Brasil. Ao todo, são quatro máquinas distribuídas em São Paulo (2), Rio de Janeiro (1) e Recife (1). À medida que o consumidor adquire pontos pelas garrafas depositadas, pode trocá-los por dedução em contas de luz da AES Eletropaulo, crédito no Bilhete Único ou transferência de pontos para o programa de fidelidade da livraria Saraiva.

www.triciclo.eco.br

 

Garrafas retornáveis

Máquinas da Ambev que coletam garrafas de vidro retornáveis receberam 120 milhões de vasilhames desde o início de 2017. Minas Gerais registrou o segundo maior volume coletado em todo o Brasil, totalizando mais de 24,2 milhões de cascos. Esses números indicam uma mudança de comportamento do consumidor brasileiro, atento ao melhor custo-benefício dessas embalagens, que são até 30% mais baratas. Para encontrar o ponto de entrega mais próximo acesse: www.miniretornaveis.com.br

 

Como descartar em BH?

Para encontrar um dos 77 Locais de Entrega Voluntária (LEVs) para recolhimento de papel, metal, plástico e vidro, acesse: goo.gl/Z9Bfl

Integração e participação

Três perguntas para... Stefan David. Engenheiro com MBA em Gestão Ambiental, consultor de Reciclagem e Meio Ambiente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro)           

Numa comparação com o papel e o plástico, quais as principais vantagens e/ou diferenças do processo e das possibilidades de reciclagem do vidro?

As possibilidades do vidro são infinitas, pois ele não perde suas propriedades e características ao longo dos diversos ciclos de reciclagem. Por esse motivo, afirmamos que o vidro tem um ciclo infinito. No caso do plástico, a reciclagem contínua faz com que ele perca elasticidade e plasticidade, tornando-se duro e quebradiço após vários ciclos de reciclagem. Já no caso do papel, o contínuo processo de reciclagem faz com que as fibras se quebrem ao longo dos diversos ciclos, ocorrendo assim a perda das suas propriedades originais.

Conforme dados do setor, apesar de economicamente viável e com grande potencial de lucratividade, a reciclagem do vidro ainda é pouco explorada no Brasil. Além da maior conscientização da população, por meio da educação ambiental, que caminhos vislumbra para se chegar ao reaproveitamento integral das embalagens?

É importante entender um aspecto: para atingirmos índices de reciclagem mais elevados somente o valor pago pelo material (qualquer que seja ele) não viabilizará todo o sistema de logística reversa. Ou seja, é necessário que toda a cadeia de consumo participe desse sistema, desde quem fabricou o produto e o colocou no mercado, passando pelo varejo que o vendeu e o consumidor que o comprou, até o município que deve providenciar a coleta seletiva. Sem a integração e a participação de todos esses elos, ainda teremos modelos frágeis e precários, com dificuldades de ampliação dos índices de reciclagem.

E no que se refere especificamente à coleta seletiva nos municípios brasileiros, quais são as estatísticas atuais? O que esperar em termos de avanços, investimentos e ações para fomentar o desenvolvimento do mercado da reciclagem do vidro?

Podemos constatar uma melhora na estrutura de coleta seletiva e de triagem nos municípios acima de 100 mil habitantes, principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Norte e Nordeste ainda precisam desenvolver melhor essa estrutura, bem como os municípios menores. As expectativas para o mercado de reciclagem do vidro são positivas, em função de um maior envolvimento de todos os elos da cadeia. Entretanto, não podemos esperar grandes investimentos em coleta seletiva nos municípios, em função das dificuldades econômicas pelas quais a maioria deles passa atualmente no país. 

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