Segunda, 19 de fevereiro de 2018

"A cooperação Noruega-Brasil é estratégica para o planeta"

Luciana Morais - redacao@revistaecologico.com.br



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Ele é servidor do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Noruega há 23 anos e diplomata de carreira desde 1994. Mestre em Ciência Política pela Universidade de Oslo, onde nasceu, Nils Martin Gunneng desembarcou em agosto, em Brasília(DF), para um mandato de quatro anos.

Com a experiência de quem já ocupou vários cargos de gestão na capital norueguesa, tendo servido também na China, Inglaterra e Marrocos, ele espera afinar ainda mais a harmônica parceria Brasil-Noruega, iniciada em 1842.

Uma de suas prioridades à frente da Embaixada Real da Noruega no Brasil é amplificar o esforço comum em prol da conservação da maior floresta tropical do planeta, a Amazônia, e na luta contra as mudanças climáticas.

“Nosso atual acordo expira em 2020. Quando finalizar minha missão no país, em 2021, espero ter contribuído para a elaboração de um novo e forte acordo que terá o Brasil, a Noruega e o mundo mais próximos do nosso objetivo comum, que é limitar o aquecimento global a 1,5oC”, frisa.

Em relação ao mundo empresarial, sua meta é deixar o país com novos e promissores projetos de energia sustentável, tanto hidráulica quanto solar. Casado com a jornalista e psicóloga brasileira Andréa Zenóbio Gunneng há 15 anos, Nils é fã de música. Toca piano desde os três anos de idade e adora a aura musical e boêmia que faz “pulsar” o bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte.

Aos 55 anos e com seus 2m de altura, ele impressiona pela gentileza e simplicidade. Foi o que demonstrou, sem hesitar, ao abrir mão de parte de seu tempo de férias para atender com exclusividade a Ecológico e posar para fotos sob o sol escaldante de janeiro. “A natureza e o movimento da paisagem de Minas Gerais são muito especiais. Em Santa Tereza, me sinto em casa.”

É o que você confere a seguir:

Como e quando se deu a sua designação para essa nova missão e que desafios e perspectivas vislumbra?

No sistema de governo norueguês, você se candidata à posição de embaixador. Foi meu o desejo de ser embaixador no Brasil, e para minha grande satisfação, após um processo de seleção, fui escolhido. Eu sabia que Brasil e Noruega tinham uma longa história de relações diplomáticas e que o Brasil estava passando por tempos político-econômicos difíceis, ao mesmo tempo em que a Noruega sentia os efeitos de um longo período de preços baixos do petróleo. Essas situações estabeleceram o palco de minhas preparações para assumir o cargo de embaixador, apontando quais seriam os desafios que encontraria aqui e em que pontos deveria focar meu trabalho. 

O anúncio do corte de recursos destinados ao Brasil, ano passado, para projetos de combate ao desmatamento por meio do Fundo Amazônia estremeceu de alguma forma a relação entre os dois países?

A Noruega repassa fundos ao Brasil baseada em resultados, ou seja, de acordo com a redução do desmatamento no país a cada ano. Ano passado, esse repasse foi reduzido porque o desmatamento em 2016 aumentou. A redução desse pagamento anual não deve ser entendida, de forma alguma, como um enfraquecimento de nossa parceria com o Brasil. A cooperação entre Noruega e Brasil na região da Amazônia é estratégica e muito importante para o planeta e uma das agendas que priorizarei durante meu trabalho aqui.




Esse repasse está de acordo com o modelo de cooperação no qual a Noruega paga por resultados...

Exatamente. Inclusive, é muito importante ressaltar, que esse modelo foi desenhado pelo próprio Brasil. Se o desmatamento for reduzido novamente, nossos pagamentos voltarão a aumentar. Por isso, estou muito satisfeito de constatar que o desmatamento no Brasil está reduzindo outra vez, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. A Noruega tem uma cooperação com o Brasil até 2020 nesse setor. E o nosso governo está 100% comprometido com essa parceria.

Entre os seus primeiros compromissos oficiais no Brasil o senhor visitou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Centro Integrado de Monitoramento Ambiental (Cimam), da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, no Pará. Que impressões teve do trabalho desenvolvido para frear o desmatamento naquele estado?

Para combater o desmatamento, é necessário ter um sistema de monitoramento confiável e preciso sobre a floresta, identificando onde estamos perdendo esse bioma. Em termos globais, o Brasil está liderando o trabalho com seu sistema de monitoramento eficiente. Fiquei realmente impressionado ao visitar o Inpe e o Cimam. Também nos meus primeiros dois meses como embaixador, visitei o Pará e o Mato Grosso. O que mais me chamou atenção foi que diferentes estados brasileiros apresentam desafios distintos quanto ao desmatamento, demandando soluções diversas.

O senhor fez uma imersão de cinco dias na Floresta Amazônica, subindo o Rio Negro. Como essa experiência impacta seu trabalho na defesa da floresta em pé?

O que mais me surpreendeu nessa viagem foi constatar como são e vivem as pessoas que moram na floresta. É essencial desenvolvermos uma maneira de proteger a floresta ao mesmo tempo em que se promove também a prosperidade dos povos que vivem desse bioma. Precisamos de soluções econômicas sustentáveis para os povos da floresta.

Algum fato ou acontecimento o marcou nessa mesma viagem?

Claudete! Uma ribeirinha. Ela mora há três dias de viagem de barco do povoado mais próximo. Com 33 anos, é mãe de três crianças, dona de uma pequena fazenda de mandioca, vive da caça e, de vez em quando, guia turistas como nós. Durante nosso contato, pude testemunhar que ela é uma excelente goleira. Jogamos futebol com pessoas de outras duas famílias de ribeirinhos. Pude ainda vê-la ‘cantando’ a língua das lontras, que emergiam do rio para observá-la; e localizando, em meio à escuridão, uma jararaca enrolada em um galho de árvore. Isso sem falar em seus dons como artesã, quando presenteou minha esposa com um golfinho esculpido por ela mesma em madeira. Claudete é, sem dúvida, a parte humana da floresta. Ela realmente pertence à floresta.

Como é a linha de ação da Embaixada da Noruega nos projetos de defesa da floresta e de sua biodiversidade por meio dos povos indígenas?

Eles são os melhores guardiães da floresta. Em seus territórios quase não há desmatamento. Por isso, apoiá-los é uma política climática eficiente. A Noruega apoia os povos indígenas por meio do Fundo Amazônia, em projetos que, por exemplo, auxiliam essas culturas a monitorar seus territórios. A Embaixada também tem um “Programa de Povos Indígenas”, pelo qual fortalece associações indígenas e suas capacidades de desenvolver e implementar projetos de qualidade. Como curiosidade, gostaria de citar que o atual rei da Noruega, Harald V, foi o primeiro chefe de Estado a visitar o território Yanomami, na Amazônia. Posteriormente, o líder indígena Davi Kopenawa Yanomami foi recebido pelo rei em Oslo.

Como o governo norueguês se relaciona com os povos indígenas de seu país?

Como qualquer outra nação, a Noruega levou tempo para estabelecer uma política adequada e ética em relação aos nossos povos indígenas. O povo Sami (um dos maiores grupos étnicos da Europa, totalizando cerca de 70 mil pessoas, espalhados em territórios setentrionais da Noruega, Suécia, Finlândia e da península de Kola, na Rússia) quase perdeu sua língua e cultura. Felizmente, entendemos nossos erros antes que fosse tarde demais. Atualmente, temos, na Noruega, uma comunidade Sami próspera, com seu próprio parlamento e autonomia em relação às questões mais importantes para aquele povo. Inclusive, a língua Sami é hoje uma língua oficial da Noruega, ao lado do norueguês.

Em termos de imagem, como avalia que o Brasil é visto no exterior, em especial nos países nórdicos, no que se refere a questões como crescimento sustentável e adaptação às mudanças climáticas?

Nos países nórdicos, o Brasil é famoso por seu carnaval, futebol, café e, é claro, por ter a maior floresta tropical do mundo. É reconhecido ainda por ser um dos poucos a ter conseguido reduzir o desmatamento tão significativamente. E mais: o Brasil não só mostrou que é possível reduzir o desmatamento como, ao mesmo tempo, aumentar a produção agrícola e crescer economicamente. Veja o exemplo do Mato Grosso. Entre 2004 e 2014, período de grande crescimento da produção agrícola, aquele estado também apresentou uma redução de cerca de 90% do desmatamento. Isso comprova que ambições no combate ao desmatamento e desenvolvimento econômico podem – e devem – andar lado a lado.

Em novembro, o senhor participou pela primeira vez de uma Conferência do Clima (COP-23). Que avaliação faz do encontro em Bonn?

A enorme dimensão do even to me impressionou. Também o fato de que cada pessoa ali presente faz parte de um esforço global único para encontrar soluções para o maior desafio que a comunidade internacional já enfrentou. Entendo que muitos estão decepcionados com a falta de progresso. Para mim, no entanto, foi encorajador ver tantas mentes brilhantes trabalhando em uma meta comum global: salvar o planeta e todos os seres vivos, entre eles, a humanidade.

O senhor já afirmou que um dos melhores aspectos de seu trabalho é a diversidade, tanto em relação a temas quanto a lugares e pessoas. Que cartão-postal brasileiro considera imperdível em termosde visitação?

Essa é uma pergunta muito difícil, já que o Brasil tem muitos cartões-postais (risos). Mas se tiver que escolher um, diria: “Visite a Amazônia”. A peculiaridade daquela floresta e as pessoas que vivem lá são muito especiais. Também ressaltaria a Ilha de Boipeba (BA), com suas praias belíssimas e remotas.

Tem enfrentado algum desafio relacionado às diferenças culturais para lidar com o povo brasileiro no dia a dia?

Olha, não vejo as diferenças culturais como desafio. Esse é mais um presente que a minha profissão me oferece, o de poder experimentar culturas diversas e tomar consciência de nossas diferenças. Nós, noruegueses, somos mais reservados do que os brasileiros – em todos os aspectos, eu diria (risos). Mas ao mesmo tempo, os brasileiros podem ser surpreendentemente formais, enquanto os noruegueses não são. Mesmo assim, acredito que brasileiros e noruegueses se dão muito bem, e apreciam as peculiaridades de cada cultura.

Brasil e Noruega mantêm uma amizade de mais de 170 anos, iniciada com a importação do bacalhau norueguês. E o senhor é casado com uma paulistana de alma belo-horizontina. Que produtos ou pratos da nossa culinária mais gosta?

Pão de queijo, sem dúvida alguma. Aliás, pão de queijo deveria ser um item indispensável no cardápio de qualquer bufê do mundo. Ah, e por falar em queijo, você sabia que o cortador de queijo foi inventado pelo norueguês Thor Bjørklund?

Além do Bairro de Santa Tereza, que locais gosta de visitar quando está em BH?

Sempre que possível, tentamos visitar Inhotim, em Brumadinho: é esplêndido! Também aprecio qualquer cachoeira que Andréa, minha esposa, me apresenta. A natureza e o movimento da paisagem de Minas Gerais são muito especiais. Porém, ao fim do dia, é mesmo em Santa Tereza que me sinto mais em casa. Sou fã da música brasileira e tudo no bairro me atrai, especialmente sua história cultural e musical – com Milton Nascimento, o Clube da Esquina, Beto Guedes, entre outros –, além da imensa quantidade de bares, botecos e restaurantes de excelente qualidade. A vida em Santa Tereza é pulsante. Muito interessante ver como os brasileiros aproveitam de maneira prazerosa suas vidas cotidianas.

Afirma isso por alguma razão especial?

Sim. Para você ter uma ideia, em nossa última estada em BH, enquanto caminhávamos no Boulevard do Arrudas, por volta das 19h de uma quarta-feira, assistimos ao ensaio de bateria de uma escola de samba local por mais de uma hora. Ver homens e mulheres, de todas as idades, vibrando seus instrumentos, foi uma experiência única.

Que legado espera deixar ao fim de sua missão diplomática no Brasil?

Nosso atual acordo com o Brasil sobre a cooperação na luta contra as mudanças climáticas expira em 2020. Quando finalizar essa missão, em 2021, espero ter contribuído para a elaboração de um novo e forte acordo que terá o Brasil, a Noruega e o mundo mais próximos do nosso objetivo comum que é limitar o aquecimento global a 1,5oC. Em relação ao mundo empresarial, espero deixar o Brasil com uma parceria próspera entre os dois países no setor de petróleo e também com novos e promissores projetos de energia sustentável, tanto hidráulica quanto solar. Como você mesma destacou, Brasil e Noruega são parceiros antigos e, como parte do meu trabalho, espero contribuir para fazermos bom uso das novas oportunidades que surgirem para fortalecer ainda mais essa cooperação.

 

É otimista em relação ao futuro do planeta e da humanidade? Para onde caminhamos?

Nasci otimista. Acredito que o futuro, muitas vezes, se assemelha àquilo que imaginamos ser ele. Meu pai me ensinou a ser responsável por minhas próprias ações e também que temos uma escolha sobre como agir. Sempre. Isso significa que cada um de nós tem o direito de escolher um futuro próspero – ou depressivo, a escolha é individual –, e também o dever de trabalhar na direção dos objetivos que estabelecemos. Sou muito grato por estar em uma posição que me permite trabalhar em parceria com o Brasil e com os brasileiros, que têm o mesmo sonho que eu: o de encontrarmos maneiras de reduzir o desmatamento e promover um futuro econômico, sustentável e próspero para todas as pessoas e, em especial, para os povos da floresta.

 

Amizade histórica

Embora o petróleo e o gás sejam vitais para a economia da Noruega, o país trabalha para tornar-se um líder climático global. Ela foi a primeira nação a comprometer-se com o desmatamento zero e anunciou que será carbono zero até 2050.

A Noruega foi o primeiro país contribuinte do Fundo Amazônia, iniciativa lançada pelo Brasil em 2008. Por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), são captadas doações para investimentos não-reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento. Bem como de promoção da conservação e uso sustentável das florestas no bioma amazônico. O valor dos repasses é baseado nos resultados que o Brasil oferece em relação à redução do desmatamento a cada ano.

 O Consórcio de Pesquisa em Biodiversidade Brasil-Noruega (BRC), formado por instituições de pesquisas dos dois países, renovou parceria por mais cinco anos em 2017. Seu foco é a produção de estudos e de novos conhecimentos como base para o desenvolvimento sustentável. O BRC é formado por especialistas das universidades de Oslo, Federal do Pará, Federal Rural da Amazônia e do Museu Paraense Emílio Goeldi, com apoio do conglomerado Norsk Hydro.

Em 1842, o primeiro barco norueguês “A Estrela do Norte” chegou ao Rio de Janeiro carregado de bacalhau. E voltou para a Noruega com açúcar e café. Isso marcou o início de uma sólida parceira. Atualmente, os brasileiros estão entre os maiores consumidores de bacalhau norueguês e, os noruegueses, entre os maiores consumidores do café brasileiro.

Atualmente, seis das dez maiores empresas da Noruega têm presença significativa no Brasil, com mais de 100 companhias estabelecidas em terras brasileiras. A Noruega é o oitavo maior investidor estrangeiro no país. E o Brasil é o principal destino de investimento norueguês, depois da União Europeia e dos Estados Unidos.

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