Quarta, 18 de abril de 2018

Morrendo de água podre

Hiram Firmino - redacao@revistaecologico.com.br



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Segundo Relatório da ONU sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, cujo tema este ano é “Soluções baseadas na Natureza para a Gestão da Água”, a boa notícia é que ainda dá tempo de mudar. O mesmo planeta e a mesma humanidade que já sofrem com a escassez d’água e pedem socorro também têm boas alternativas de gerenciamento, advindas principalmente do meio empresarial, à disposição.

O maior exemplo disso foi dado pelos israelenses que, graças a uma tecnologia inovadora, chegam a reaproveitar uma única gota d’água até seis vezes em suas agriculturas irrigadas, em pleno deserto, por gotejamento. Basta um mínimo de vontade política, também apontou o estudo da ONU. E é esse o grande perigo, para não dizer... entrave real.

A exemplo da maioria da sociedade civil, que continua perdulária no uso diário da água, ainda sem consciência e prática ambientais, apenas seguindo a manada rumo ao matadouro climático, a política e os políticos atuais ainda não se sensibilizam com a questão hídrica.

Como disse Edson Duarte, secretário de Articulação Institucional do Ministério do Meio Ambiente, no Water Business Day, evento da CNI e do CEBDS que antecedeu a abertura do Fórum, sobre a realidade sem precedentes no Semiárido brasileiro: “O povo nordestino sempre conviveu com a seca. Agora não mais: 22% daquela gente já perdeu a esperança, tamanha a gravidade da seca. Viraram refugiados hídricos. Estão indo para São Paulo, como retirantes de onde nunca mais voltarão”.

Uma prova sutil dessa dissociação com quem os deveria proteger foi dada pelo Governo Temer na abertura oficial do Fórum. Ao compor a mesa, o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho que, inclusive, tem o apoio da maioria das entidades ambientalistas, não foi convidado pelo presidente para se assentar à sua direita, como manda o protocolo oficial. Temer decidiu ou permitiu que ele ficasse no último lugar na mesa. E sem direito a fala. O mesmo Temer que nasceu no município de Tietê, já nadou e brincou quando criança em suas águas originariamente limpas. E hoje, coincidência rara na história política nacional,  é presidente do país mais hídrico e devastador do planeta.

Mesmo tendo a caneta na mão, jamais se importou, como estadista que poderia ser, em enfrentar e resolver a poluição horripilante do Rio Tietê, que ainda faz feder o coração urbano de São Paulo, a quinta maior cidade do planeta. Não tentou o que a Inglaterra conseguiu com o seu Rio Tâmisa, e a França, com o Sena. Muito menos conteve o desmatamento recorde já de 20% da Amazônia, a última e maior floresta tropical do planeta, responsável por ainda fazer chover em todas as regiões do Brasil por meio dos “rios voadores”.

Na sua cartilha presidencial ou travesseiro de estimação, parece ainda não constar a lembrança de um mandamento empunhado pelo Greenpeace e pela Fundação SOS Mata Atlântica em luta pelo “Desmatamento Zero”: “Onde tem árvore, tem água”. E vice-versa. É o que se pode concluir tendo em vista o baixíssimo orçamento do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e demais órgãos ambientais oficiais.

 

Os sem-esgoto tratado

Autoridades, políticos e cientistas estrangeiros que estiveram presentes no Fórum ficaram certamente impressionados ao saber que, em pleno início do século 21, a maioria dos rios brasileiros ainda é usada como privada pública. E isso considerando que o nosso país concentra 12% de toda a água hoje disponível para consumo humano no planeta. Apesar de toda essa nossa oferta global advinda da natureza, 41% de toda a água tratada no país é desperdiçada. Quase a metade, 40% dela, ainda se perde no trajeto das companhias de água e esgotos até a torneira. Segundo mostrou relatório da Agência Nacional de Águas (ANA), um em cada quatro brasileiros mora em residências desprovidas de coleta e tratamento de esgoto.

A tragédia não é só tupiniquim. É mundial. Mais de 30 bilhões de toneladas de lixo urbano continuam sendo jogadas nos rios do planeta. E, pasmem, 80% desse descarte criminoso é de origem doméstica. São as pessoas que fazem isso. E não somente as empresas, como ainda se pensa. Pelo contrário, pela escala de produção, imagem pública, interesse econômico e capacidade de mobilizar investimentos – o 8o Fórum Mundial da Água também mostrou isso – quem mais faz a sua parte, dentro da visão sustentável de que poluição não significa lucro, é o setor empresarial. Não os governos.

Resultado global: por falta de outra opção, 700 milhões de seres humanos convivem e sobrevivem com água contaminada. Outros 250 milhões morrem, por ano, de doenças provocadas pelo consumo de água podre.

 

Os sem-agro

Nem o lucrativo e proclamado agronegócio brasileiro, que tanto tem salvado a balança comercial do país, está hidricamente seguro. Não há outro setor mais dependente de água. Nem vítima mais diretamente ligada ao que acontecerá na Amazônia. Como o Ministério do Meio Ambiente também advertiu no Fórum, se a devastação da última grande floresta planetária - via agricultura tradicional e pecuária insustentável - atingir o índice de 25% até 2030, será tarde demais para buscar uma solução! O processo da sua autodegradação será irreversível. A imagem que se projeta na Amazônia é a de árvores destruídas uma a uma, sem a menor condição de se manterem em pé por conta das raízes expostas e do solo pobre, caindo como num efeito dominó.

Sem floresta nem água, o regime das chuvas que nascem e se propagam dali por aspiração, também mudará de maneira drástica e irreversível. E isso impactará, de cara, todo o agronegócio. Ele não continuará nem agro nem pop. Deixará de ser o celeiro de alimentos do mundo, por falta d’água!

Foi o que anteviu o poeta anglo-americano W. H. Auden (1907-1937): “Milhares viveram sem amor, mas ninguém viveu sem água”.

Ele pode estar terrivelmente certo. Se continuarmos sendo o Homo sapiens que nos tornamos, morreremos aos milhares. Sem água e sem amor.

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