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Segunda, 21 de maio de 2018

O lixão do Brasil

Neylor Arão - redacao@revistaecologico.com.br



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O Lixão visto de cima: presença de animais, como o urubu, é reflexo da degradação humana vivenciada por catadores.

O Lixão visto de cima: presença de animais, como o urubu, é reflexo da degradação humana vivenciada por catadores.

No segundo documentário da série O Ambientalista, o ativista ambiental Neylor Aarão vasculha a história do Lixão da Estrutural, em Brasília (DF), atrás de explicações para a degradação ambiental e humana exposta em meio à maior montanha de lixo da América do Sul

Depois de quase seis décadas de existência, o segundo maior lixão do mundo, distante poucos quilômetros da Esplanada dos Ministérios, foi fechado em janeiro deste ano, meses após as filmagens feitas sob a direção de Marcello Marques. O local passou agora a se chamar Unidade de Recebimento de Entulhos, restrita ao armazenamento de resíduos da construção civil.

É o que você confere, a seguir:

Também conhecido como Aterro do Jóquei, em volta dele se formou uma grande vila, a Vila da Estrutural, uma ocupação que nasceu praticamente junto com a construção da capital federal. Ao longo dos anos, ele acumulou mais de 40 milhões de toneladas de lixo, gerando inúmeros problemas sociais, ambientais e econômicos.

A catadora Lúcia Fernandes conta que chegou ao local devido à dificuldade de encontrar trabalho na cidade. “Meu marido já conhecia pessoas daqui. O começo foi difícil. No primeiro dia, trabalhei e ganhei somente R$ 1,50. Daí, falei: Ô meu Deus, é muito pouco.”

No segundo dia, ela relembra, ganhou R$ 5. Daí em diante, as coisas foram melhorando, à medida que Lúcia começou a entender o processo e a conhecer melhor o que chegava junto com o lixo. “Eu não tinha noção do que era material reciclável, do que a gente podia ou não catar. Tudo que tenho aqui hoje, onde ficam os meus filhos, foi tirado lá do maciço do lixão.”

O Lixão da Estrutural sempre foi palco de uma prática proibida: a manutenção de catadores no local. Além de ser uma área perigosa, há risco de contaminação ambiental, de contrair doenças e infecções por causa de pessoas que morreram soterradas e atropeladas por máquinas e caminhões. Ninguém usa equipamento de segurança. O lixo causa um impacto ambiental grave, por meio da poluição atmosférica, da água, do solo etc.

Lúcia compara os riscos de trabalhar na parte destinada à coleta seletiva e no lixão em si. “Aqui na seletiva é bem melhor. Mesmo ficando muito tempo parado, esperando material chegar, tem menos risco de vida, perigo de um trator passar por cima da gente igual acontece lá no lixão. Aqui o coletor chega e despeja, cada um tira o seu material.”

Eliezer Félix, que trabalha na Estrutural há mais de 20 anos, mostra o local onde o material reciclável é selecionado. “Aqui na seletiva tem uns quatro, cinco anos que estou. Mas trabalhei lá em cima durante muitos anos.”

Outra catadora, Ana Cláudia de Lima, presidente da Associação Ambiente, conta que o lixão recebe várias “descargas” de resíduos da construção civil. “Tem também a coleta seletiva, as galhadas de poda e essa parte aqui em cima que a gente chama de maciço, que é o lixo orgânico. São vários setores.”

Segundo ela, os catadores estão expostos a todo tipo de acidente. “Trator passar por cima de gente, atropelamento. Carreta tombar em cima de catador é o mais comum. Aqui é morte mesmo. Já perdemos oito colegas por morte com trator. Ano passado foram dois.”

 

Tráfico e prostituição

Diretora-presidente do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) do Distrito Federal (DF), criado em 1961, a engenheira civil e sanitarista Heliana Kátia Campos explica que o local é um dos 50 maiores lixões do mundo e o maior de todas as Américas.

“Brasília nunca teve um aterro sanitário, estrutura que é exigida desde a legislação ambiental brasileira, de 1981. Além disso, desde 1989, é crime ambiental manter lixão. E a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos [instituída em 2010], só é permitido ter aterro sanitário. Não se pode mais enterrar resíduo em todo o território nacional.”

Não é difícil confirmar que são vários os problemas ainda existentes no entorno do Lixão da Estrutural. Heliana Kátia explica que ao assumir o cargo, em 2015, deu prioridade à realização de um diagnóstico do local. Foram colocadas três pessoas não para ouvir os catadores, mas para ver e registrar informações sobre a realidade deles.

 “A situação é de uma gravidade – e complexidade – tão grande que interessa a muitas pessoas que ela permaneça. É um lugar onde se observa tráfico de drogas, prostituição, desova de carros roubados e ainda a descarga de alimentos vencidos e a vencer, que são recuperados para venda nas feiras do entorno.”

Representante do Movimento Nacional dos Catadores, Rônei da Silva é categórico: “Tenho a impressão que a única preocupação do SLU é fechar o maior lixão da América Latina. E não resolver efetivamente os problemas que existem. São mais de 1.800 pessoas trabalhando e cerca de 2.800 toneladas de resíduos domésticos que entram aqui todos os dias.”

Questionado sobre os principais pontos de conflito na transição do lixão para o aterro controlado, Rônei pondera e lembra que há a obrigação jurídica de se fechar o local. “Todos nós, catadores, sabemos da importância e da necessidade do fechamento. Mas antes tem que se fazer o que é necessário para isso, ou seja, a implantação da coleta seletiva, a construção dos galpões, o pagamento pelos serviços prestados. A gente trabalha e sobrevive do material reciclável. Mas isso é muito pouco.”

 

Bomba-relógio

Ainda conforme Heliana Kátia, após diagnosticar a dimensão dos problemas relacionados ao lixão, a direção do SLU procurou o governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg. “Foi quando lhe perguntamos: Sabe por que temos um lixão na capital federal até hoje? Porque entendia-se que esse era um problema apenas de limpeza urbana, mas não é. É de segurança pública, de meio ambiente e social, pois envolve a Secretaria da Infância e da Adolescência e ainda o fato de as pessoas que estão lá serem cadastradas e receberem o Bolsa Família.”

O promotor de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público do Distrito Federal, Roberto Carlos Batista, salienta que o próprio governo assentou populações em parte da área contaminada.

Segundo ele, além do aspecto urbanístico e das questões que envolvem a segurança das pessoas, é preciso lembrar que o lixão fica ao lado do Parque Nacional de Brasília. Essa unidade de conservação, uma das mais visitadas da capital federal, foi reconhecida pela Unesco como um dos núcleos da biosfera do Cerrado. Portanto, tem importância fundamental para a preservação desse bioma e de todas as suas riquezas naturais, inclusive a água.

“É uma área em que há grande concentração de recursos hídricos. Para se ter uma ideia, a Barragem de Santa Maria, que fica dentro do parque, abastece toda a parte norte da cidade e está ameaçada de contaminação, porque fica ao lado do lixão.”

A analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Juliana de Barros Alves, fala sobre a localização da nascente do Córrego do Acampamento, uma das atrações do parque nacional, criado em 1961: “As piscinas naturais do parque são provenientes das nascentes desse córrego”.

Segundo ela, há ocupações em áreas usadas pelo lixão, em cujos terrenos ocorre a circulação de gases, como o metano, gerados durante a decomposição de material orgânico. “Pode ocorrer problemas e explodir tudo isso. É uma bomba-relógio”, alerta.

O promotor lembra que um colégio público foi fechado, porque a construção explodiu. Havia gás metano no subsolo e não houve qualquer controle. Após esse episódio, foram instalados queimadores no Lixão da Estrutural. “Quem visita o local vê as manilhas com queimadores que funcionam 24 horas, aquilo é gás metano.” Batista esclarece que ainda não foram apresentados estudos para a recuperação da área.

“Há várias metodologias para isso, mas a presença de moradores torna o processo ainda mais difícil. As lagoas de chorumes criadas na área são uma verdadeira afronta à questão sanitária e ambiental. Quando chove, elas transbordam e descem pelas ruas da Estrutural. A situação é caótica.”

 

Ameaça ao Paranoá

Sérgio Koide, chefe do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UNB), afirma que, de modo geral, não há como recuperar uma área em que ocorre contaminação subterrânea intensa. No caso da Estrutural, a camada de lixo depositada sobre o solo é muito grande, chega a mais de 15 metros.

“Quando chove, a água penetra no aterro e ele continua gerando chorume. Parte desse chorume é percolada pelas paredes do aterro, e o restante escapa pelo solo e desce por chácaras e loteamentos vizinhos, em direção aos córregos. Ou seja, temos severos problemas de saúde pública e de poluição. Tudo o que se gera naquele aterro, em termos de chorume, cai direto no Lago Paranoá.”

Diretor-técnico do SLU, Paulo Celso dá as dimensões da montanha de lixo existente na Estrutural. “Temos aqui uma montanha com aproximadamente um milhão de metros quadrados de base, por 55 metros de altura. Ela se parece com um bolo de marshmallow, e a tendência é se desmanchar. Por isso, mantemos a estabilidade dos taludes e das paredes com a ajuda de máquinas. O lixo vem sendo depositado de forma irregular há anos e estamos tentando corrigir. Mas não temos como resolver tudo de forma rápida, tem de ser gradualmente.”

Para o diretor, além da questão ambiental, representada pelo lixão em si, e da social, caracterizada pela presença de catadores – que tiram sustento e renda do local –, a Estrutural envolve um terceiro pilar ainda difícil de ser entendido.

“Para mim, o mais difícil é o pilar econômico. A Estrutural movimenta uma ‘indústria’ de 500 milhões de reais por ano, com toda a parte de manejo dos resíduos de Brasília. Há muitos interesses envolvidos, porque é uma cadeia muito grande. Envolve os caminhões que transportam, as empresas que contratam mão de obra, o pessoal que comercializa esse material etc.”

Nem tudo está perdido. Pelo contrário. Procurada pela Ecológico, Heliana Kátia, que já foi superintendente de Limpeza Urbana de Belo Horizonte, fez uma síntese sobre a atual situação da Estrutural. “Agora é diferente. A população do Distrito Federal tem um aterro sanitário construído com técnicas ambientalmente adequadas, sem prejuízo ao meio ambiente, em conformidade com a lei e 28 contratos com cooperativas de catadores para realizar triagem e coleta seletiva. Vencemos um desafio que respeita os catadores, a população e as futuras gerações.”

Conheça, na próxima edição, a cidade de Venâncio Aires (RS), palco de uma investigação sobre correlação entre o uso de pesados agrotóxicos na lavoura de fumo e a ocorrência de mortes por suicídio.

 

Assista à série!

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