Segunda, 11 de junho de 2018

A evolução pelas águas

Luciana Morais- redacao@revistaecologico.com.br



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De leitura fácil, permeado por dados e constatações desconcertantes – diante da insistência de muitos em achar que a água precisa ser salva (não, ela não depende de nós; é o contrário) –, este seu novo livro é muito mais do que uma saudação a esse ancestral elemento da vida.

De leitura fácil, permeado por dados e constatações desconcertantes – diante da insistência de muitos em achar que a água precisa ser salva (não, ela não depende de nós; é o contrário) –, este seu novo livro é muito mais do que uma saudação a esse ancestral elemento da vida.

Gosto dele desde o nosso primeiro encontro, ocorrido em meados dos anos 1990. É um profissional de mão-cheia, culto, sereno e, o melhor de tudo, generoso. Sabe ouvir, ensinar e segue com sede de aprender, de entender o mundo e a forma como nos relacionamos com tudo o que nos cerca.

É assim que vejo – e admiro – o jornalista mineiro Demóstenes Romano Filho. Em fins de março agora, nos reencontramos em Brasília (DF), momentos antes do embarque para Belo Horizonte, vindos do 8º Fórum Mundial da Água.

Ele também havia estado lá a trabalho, lançando mais um livro: Salve, Água! – Contraponto à cultura do salvacionismo e do consumo sem produção, pela Editora Ramalhete. Juntos, relembramos o tempo em que fui estagiária no pioneiro Cidadania pelas Águas. Articulado por Demóstenes, esse movimento foi altamente significativo na sua simplicidade e empenho em aproximar cidadãos comuns do tema água, sustentado na descentralização e na disseminação de ações e informações.

De leitura fácil, permeado por dados e constatações desconcertantes – diante da insistência de muitos em achar que a água precisa ser salva (não, ela não depende de nós; é o contrário) –, este seu novo livro é muito mais do que uma saudação a esse ancestral elemento da vida.

Passeia com desenvoltura pelas teorias de origem da água no planeta, por conclusões de pesquisas científicas e traz opiniões inovadoras. Nas mãos generosas e didáticas de Demóstenes esses e outros temas fluem feito água limpa de riacho. Sem embaraço.

“É uma modesta contribuição para um novo olhar sobre a água. Temos de superar essa cultura predatória, sem o menor respeito por ela. Aponto caminhos e alerto para a necessidade de mudarmos nosso relacionamento com a água. Nossa vida é nossa oportunidade de evolução”, afirma.

A intimidade do autor com o tema é naturalmente orgânica. Demóstenes foi criado no universo da roça, pescando com o pai em lagoas povoadas de traíras e se encantando com as nascentes cristalinas e puras que jorravam nas terras de seu avô materno.

Em sua Fazenda Boi Parido, em Oliveira, no Centro-Oeste mineiro, ele hoje zela pela nascente do Rio Jacaré, produzindo água, protegendo o solo e se acalenta com o perfume das plantas medicinais que cultiva.

Nada melhor, então, do que beber dessa sua rica fonte, sorvendo conhecimento e ideias para um agir mais consciente – e sintonizado com o compromisso de transformar a realidade hídrica, ambiental e social que nos rodeia.

Confira, a seguir, algumas de suas reflexões e crenças:

Canibalismo

“Os poços artesianos vampirizam águas subterrâneas e canibalizam nascentes.”

 Fim

“A água não vai acabar no planeta Terra; o corpo humano é que já nasce a caminho do seu fim.”

 Enxurradas

“As águas oceânicas estão aumentando, subindo de nível. Parte delas são águas de chuvas que deveriam estar armazenadas como águas subterrâneas, nos subsolos, em lençóis freáticos e aquíferos. E não desperdiçadas em enxurradas.”

Gestão

“Em gestão de águas, desperdiçar é demoníaco, economizar é humano e produzir é divino.”

“Precisamos muito, muito mesmo, de emoção na gestão de águas, em complementariedade ao excesso de racionalismo e de mesmice.”

“Uma das formas de cometermos menos equívocos em gestão de águas é pensar com a própria cabeça, ver com os próprios olhos, ouvir com os próprios ouvidos e estarmos sempre abertos à diversidade, à novidade e ao diferente, porque o universo cósmico é um mundo de possibilidades.”

“A gestão de águas dará um salto quântico quando se fundamentar em princípios que busquem harmonia e equilíbrio, simplicidade e naturalidade, respeito e paz, prosperidade e abundância, razão e emoção. Enfim, resultados e mudanças como fatores de sucesso na geração de um desenvolvimento sustentável, no qual a evolução da raça humana se fortaleça e se suporte na evolução de todas as outras espécies e no respeito a todas as outras riquezas cósmicas do planeta Terra.”

Transformação

“Quem quer fazer arranja um jeito; quem não quer, uma explicação. Raramente são os novos paradigmas que nos despertam para transformações. A crença em transformação, a vontade de transformar e o compromisso ético, existencial e espontâneo de sermos transformadores é que nos levam a buscar novos paradigmas.”

Desafio

“Não queremos nos perder num emaranhado de desassossegos e de conflitos. Ao contrário, queremos cuidar de evolução, superação e transcendência, na convicção de que assegurar adequado relacionamento do ser humano com a água não é apenas uma questão administrativa, ecológica, legal, religiosa. É também uma questão existencial, filosófica, de cada um de nós, pela oportunidade de fazermos bem feito, de sermos positivos neste desafio pessoal, planetário e cósmico.”

 Amor

“Para amar, respeitar e revitalizar o Rio São Francisco ou possibilitar a evolução de pessoas, eu preciso entender primeiramente de amor, de respeito e de vida, antes de entender de química, de física e de engenharia.”

“Sem um jeito diferente de ver, sentir e cuidar da água, estaremos cada vez mais longe de conhecê-la e de tê-la mais perto de nós. Louvada seja a crise hídrica se ela nos levar a uma visão diferente no relacionamento com a água. Criatura essa tão especial, considerando-a um ancestral elemento cósmico, antes de tratá-la apenas como bem de consumo. Afinal, quem ama cuida.”

Consistência

“Espectadores das factuais previsões meteorológicas divulgadas cotidianamente, costumamos nos colocar como impotentes clientes de um caprichoso provedor de conforto ou desconforto nosso nas próximas horas. Como se o tempo cósmico tivesse a mesma natureza do tempo social, convencionado pela raça humana.”

“Se chove ou não, nós só podemos constatar, passivamente. Mas, ao receber e conviver com as águas das chuvas, podemos e devemos ser ativos, consistentes e consequentes.”

Emoção

“A emoção move, a razão organiza (apenas organiza e, às vezes, até imobiliza). Onde anda a emoção na gestão de águas? Provavelmente aí esteja uma pista para explicar porque efetivos resultados em gestão ambiental costumam não ser proporcionais aos muitos e variados recursos aplicados, principalmente nos cuidados com a água.”

Vontade

“Não existe receita pronta... Melhor ter menos foco em caminhos e mais foco em jeitos de caminhar: a vontade de caminhar é do aprendiz, não do orientador.”

Cuidado

“Certamente podemos cuidar melhor da água se passarmos a vê-la com emoção e a senti-la além dos serviços que ela nos presta nas torneiras, nos vasos sanitários, nos chuveiros, em instalações industriais e nos campos de irrigação.”

Mobilização

“Se o aparato institucional não consegue ser moderno, atualizado, transformador e eficaz, os eleitores e contribuintes devem tomar a iniciativa de mobilização. A começar por pessoas e organizações não governamentais em seus próprios ambientes, com suas lógicas, crenças e motivações.”

Ignorância

“Quase todos os povos primitivos tinham uma relação de respeito ancestral e de sacralidade pela água, a quem homenageavam como fonte materna e berço da vida. Hoje, a maior parte da raça humana vê isso como bizarro, como folclórico, associando sacralidade a rituais de ignorância.”

Superioridade

“Quanto mais entendermos a superioridade física, química, planetária e cósmica da água sobre o ser humano, mais entenderemos que ela não precisa nem pode ser salva por nós. O homem, sim, precisa cuidar de seu corpo físico e de suas energias sutis, contidas e reveladas em estados mentais, emocionais e espirituais dependentes de água.”

Ocupação

“Temos de deixar de perder tempo, emoção e recursos materiais com o que é muitíssimo maior do que nós, com o que não conseguimos alterar. É trocar preocupação por ocupação. É deixar ilusórias encenações de superpoderes, de defensores do planeta por ações de resultados cotidianos, simples e efetivos, ao alcance de pessoas normais em seus próprios ambientes. Por exemplo: usar produtos biodegradáveis em casa e no trabalho, para não sermos agressores tão da natureza nem tão genocidas com milhares de outros seres que vivem nas águas.”

Compulsão

“Na desvairada necessidade de afirmação, de competição, de exibicionismo e de hegemonia, a raça humana virou refém de seu próprio antropocentrismo. Isso por uma quase irrefreável compulsão de trocar o que é natural pelo que é artificial. Ou de destruir o que é natural para fazer valer sua capacidade de ser criador, de parecer Deus, de brincar de Deus.”

Semelhantes

“Entre todos os seres vivos, o homem é um dos animais que mais agridem e eliminam os elementos de sua própria espécie: fisicamente (matando), economicamente (explorando, dominando) e emocionalmente (maltratando, desqualificando, injustiçando, excluindo, rejeitando, ignorando). Se tratamos assim nossos semelhantes, isso tem influência direta na falta de cuidado nosso com outros seres, com a água e a natureza.”

Sentimento planetário

“Devemos conviver com água e outros seres vivos pela unicidade cósmica e pela oportunidade de nossa evolução pessoal, existencial e espiritual, com fraternidade, respeito e sentimento planetário. E não só por razões intelectuais, sociais, legais, governamentais, menores.”

Empatia

“A verdade nua e crua é que a maioria absoluta da raça humana não tem a mínima empatia com a água. Nossa relação com ela é equivocadamente antropocêntrica, porque o ser humano está no centro, com cerca de 70% de água e depende dela para sobreviver. Ela também está no centro, nos precedendo e nos sucedendo no universo. Quando chegamos ao planeta Terra, ela já estava aqui. E, quando sairmos, ela continuará.”

 

Quem é ele?

Nascido em Morro do Ferro, distrito de Oliveira (MG), em junho de 1941, Demóstenes Romano Filho fez carreira no jornalismo, com passagem por diferentes veículos: jornais Estado de Minas e do Brasil; revistas Veja, Exame e Placar; e TVs Bandeirantes e Globo. Atuou, ainda, nas secretarias estaduais de Fazenda, Cultura e Planejamento, e em empresas como Vale e Andrade Gutierrez.

Na PUC Minas, foi aluno e professor do Departamento de Comunicação. Articulou e participou do Pacto de Minas pela Educação e dos projetos Cidadãos para o Século XXI, Meu Quarteirão no Mundo e o Mundo no Meu Quarteirão. É autor de Gente Cuidando das Águas (2002).

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