Quarta, 18 de abril de 2018

A tragédia que ainda incomoda



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Ruínas de Bento Rodrigues: memória e amor social ainda
soterrados. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Ruínas de Bento Rodrigues: memória e amor social ainda soterrados. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Com o auditório repleto e fechadas as duas grandes portas – sem autorização para ninguém mais entrar –, o painel que tratou da tragédia ambiental de Mariana (MG) foi, de longe, um dos mais concorridos do Fórum.

Nas cadeiras, escadas e no chão, gente de todo tipo: ambientalistas, jornalistas, representantes de ONGs, especialistas em água, representantes governamentais. Todo mundo queria ouvir os dados mais atuais referentes ao rompimento da Barragem de Fundão, em novembro de 2015, que deixou 19 mortos, mais de 700 famílias desabrigadas e um rastro de destruição ambiental sem precedentes.

Eram muitas as perguntas e dúvidas: quantas famílias já foram assentadas? E os peixes, já voltaram ao rio? A lama foi retirada por completo? Em quantos anos o estrago ambiental será sanado? Já foram investidos quantos milhões de reais? Em quantos anos tudo voltará a ser como em 4 de novembro de 2015, um dia antes da tragédia?

Voltar ao que eram o rio, as pessoas, as águas… bem, isso não será possível. Todos eles mudam diariamente. De percurso, de condição de vida, de perspectiva. Isso é fato. Mas o que foi reparado, os programas em curso e as expectativas em relação ao futuro, essas são muitas e de longo prazo. A estimativa é de, pelo menos, mais oito anos de ações intensas ao longo de mais de 600 quilômetros, entre Mariana e a foz do Rio Doce.

Durante o painel, o balanço das ações atuais coordenadas pela Fundação Renova – entidade de gestão autônoma criada depois da assinatura do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) entre a Samarco e as controladoras Vale, BHP e a União e diversas autarquias federais e estaduais – foi apresentado pelo seu presidente, Roberto Waack.

 As diretrizes de ação são definidas pelo Comitê Interfederativo (CIF) – que tem a participação de órgãos de Minas Gerais e do Espírito Santo, e acompanha ações e estabelece canais de participação da sociedade civil.

Hoje, dois anos e meio depois do rompimento da Barragem de Fundão, um longo e extenso cadastro ainda está sendo feito: ele tem cerca de 30 mil famílias inscritas, totalizando cerca de 70 mil pessoas, e deve ser concluído em sua totalidade no segundo semestre deste ano.

“Há muitas pessoas neste cadastro que não foram impactadas diretamente pelo acidente. Então, a primeira parte, a maior, vai ser concluída agora, e a segunda, no segundo semestre. O fato de ter sido cadastrado não significa categoricamente que vai ser beneficiado. Cada caso é um: propriedades rurais têm um tipo de indenização; pescadores, outro”, frisou Waack.

Segundo ele, o cadastro é importante também para nortear programas de educação e cultura e os demais projetos estruturantes que visam entender a realidade atual do Rio Doce.

As ações de reparação em todo o trecho impactado pelo rompimento já receberam aportes de R$ 3,4 bilhões desde novembro de 2015, de um total de cerca de R$ 12 bilhões previstos até 2030. Mas esse valor pode ser maior, chegar a R$ 20 bilhões. Tudo vai depender do comportamento da natureza, dos rejeitos ainda sedimentados em vários trechos do rio, do que ainda precisa ser reparado.

Sob a responsabilidade da Renova estão 42 programas e projetos, entre eles o reassentamento das pessoas atingidas, o pagamento de indenizações, a manutenção da qualidade da água na bacia do Rio Doce e a retomada da atividade econômica dos municípios afetados.

“Temos cerca de 15 mil casos de indenização, que devemos concluir até o meio de 2018. A maioria delas é em dinheiro. Só no que diz respeito a ações de água, já investimentos cerca de R$ 1 bilhão, com auxílios emergenciais, indenizações, danos morais e materiais por falta de água. O prazo de recuperação relacionado ao rejeito é variável, pois temos 17 situações e cada uma tem um prazo. Acreditamos que nos próximos três anos estaremos com 80% das ações previstas equacionadas, mas nosso prazo é de 10 anos de monitoramento dessas ações”, acrescentou.

 

Questão crítica

Parte do projeto da Fundação Renova para a compensação dos danos ambientais envolve a restauração do rio além do desastre: inclui a recuperação de cinco mil nascentes, um programa com R$ 500 milhões para saneamento (construção de estações de tratamento de esgoto e gerenciamento de resíduos sólidos) de prefeituras de 39 municípios e reflorestamento de 40 mil hectares.

“Não dá para falar da recuperação do rio e seus 113 tributários com 80% de esgoto sendo jogado nas águas, sem recuperar matas ciliares e nascentes. Essas ações têm prazo mais longo. Por exemplo, o modelo de restauração florestal depende da vontade e adesão do dono da terra. A fundação não tem terra. Então, o dono só vai aderir se vir essa possibilidade como algo que faça sentido econômico para ele. As nascentes já estão sendo cercadas: até o fim do ano serão mil.”

Questionado sobre quando o Rio Doce voltará ao estado anterior à tragédia, Waack afirmou que o rio sofre com situações de degradação há mais de 500 anos. “Ele já está com parâmetros similares aos de antes do acidente. A natureza tem mostrado uma capacidade forte de regeneração. Com certeza, com tudo o que está sendo feito, ele estará em melhores condições no futuro.”

 

Soma de esforços

Antes de ser presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Lucinha Teixeira já morava em Governador Valadares. Segundo ela, fazendo uma retrospectiva histórica, antes do rompimento de Fundão, a maior parte dos municípios convivia com lixões, não tinha estações de tratamento de esgoto e o rio estava com a vazão bem menor, apesar da ocorrência frequente de enchentes.

“O comitê, subdividido em 12 pequenos comitês dos seus tributários, desde sua criação, em 2002, desenvolveu trabalhos contínuos de monitoramento do rio, orientação sobre uso racional de recursos hídricos na agricultura, recuperação de nascentes e várias outras atividades. Depois que o Instituto BioAtlântica (IBIO) se tornou agência da bacia do Doce e elaborou um mapa com sua vulnerabilidade, disponibilidade hídrica, biodiversidade e ponto de degradação, foi possível planejar melhor nossas ações. Hoje, o projeto Rio Vivo abrange 54 cidades, mobilizando 6,4 mil propriedades”, elencou Lucinha.

Ela diz que os parâmetros de qualidade da água no Rio Doce estão dentro da série histórica da bacia, feita pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), órgão do governo de Minas que fiscaliza os recursos hídricos no Estado. No cenário da realidade que o rio tinha antes do acidente e agora, ela diz que “atualmente é uma soma de esforços, troca de experiências e uma busca por articular todas as ações que estão sendo colocadas em prática”.

Para ela, é essencial que todas as ações de segurança hídrica, reflorestamento, assistência técnica aos agricultores e recuperação das nascentes sejam, de fato, executadas.

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