Quarta, 18 de abril de 2018

A brotação das águas

Marcos Guião * - redacao@revistaecologico.com.br



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CHAPÉU-DE-COURO
Echinodorus grandiflorus

CHAPÉU-DE-COURO Echinodorus grandiflorus

Numa modesta estradinha que me leva até a roça, sempre passo ao largo de um paredão de pedras, onde, nos antigamente, brotava uma bica d’água fria, pura e limpa. Mas, há mais de dez anos, ela simplesmente sumiu, derivado de motivos muitos. Diminuiu sem base a quantidade de chuva que tem caído na região nos últimos anos. Além disso, o fazendeiro dono dessas terras até recentemente derrubou um bocado da mata que margeava o caminho dessa nascente, plantou capim e soltou o gado na área.

O resultado não poderia ser diferente, né mesmo? Dava tristeza passar naquele trecho e ver tudo seco num lugar onde já tomei muito banho depois que a mulherada lavava a trouxa de roupa. Mas deu passagem de um ano desde que as terras foram vendidas e o gado retirado. Daí entrou o verão e, com ele, desceu um manto de chuva que há muito não se via nessas paragens.

O desfecho foi o retorno da nascente. Parei de lado sem muita coragem até de tocar naquelas águas, deveras emocionado. Mas aos cadinhos fui entendendo que ela estava ali linda, singela, transparente pra saciar nossa sede mesmo. Com alguma cerimônia, tomei uma golada larga e senti o mesmo sabor adocicado lá de outras eras. Ainda inebriado, dei saída e fui abrindo trilha no capim orvalhado até sentir minhas calças completamente encharcadas. No tentame de escapar do orvalho, fiz um revolteio e, pra minha surpresa, acabei atolado num brejo, que até dias atrás num tava ali. Aquela tanteira de água atravessando meu caminho da roça foi me encantando e dei de abrir ainda mais os olhos pra dar reparo em tudinho.

Foi quando vi, pouco mais adiante, uma moita de folhas verdes bem graúdas de chapéu-de-couro (Echinodorus grandiflorus), planta que leva esse nome por aparentar um chapéu mesmo, até de ponta dobrada. Saí pisando e atolando na beirada do corguinho que surgira de pouco pra chegar nas suas touceiras, que só prosperam direto dentro de lagoas, brejos ou cursos d’água. Tanto descaso com as águas e a chuva se apartando do sertão, ela tinha distinguido dali, mas agora tava de volta. Tem folhas grandes e tesas, mas basta a retirada delas pra que num tim fiquem todas encarquilhadas, sinalizando demasiada desidratação.

Afamada pela ação diurética, é um bom anti-inflamatório do trato urinário e dá ritmo ao coração, além de aliviar os sintomas do reumatismo e das doenças de pele derivadas de intoxicação por bebida, comida ou remédio. É no mínimo curiosa essa estreita relação do chapéu-de-couro com as águas, seja drenando os líquidos corporais ou na dependência total delas para sua sobrevivência

A questão que envolve a temática da água hoje em dia é muito complexa e não vai ser resolvida com o ressurgimento dessa pequena nascente aqui na roça. Mas esse acontecido me deu um alento danado!

Até a próxima lua!

* Jornalista e consultor em plantas medicinais

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