Segunda, 11 de junho de 2018

Uma luta de longo prazo

Há cerca de duas décadas, Cemig tenta controlar o mexilhão-dourado, espécie exótica invasora que causa inúmeros prejuízos ao país. Em parceria com a UFOP, empresa anuncia novos investimentos para pesquisa e inovação

Cristiana Andrade - redacao@revistaecologico.com.br



font_add font_delete printer
MEXILHÃO-DOURADO (Limnoperna fortunei)

MEXILHÃO-DOURADO (Limnoperna fortunei)

Pesquisas científicas conduzidas pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) prometem minimizar ainda mais a ação de uma espécie exótica invasora que há pelo menos duas décadas se tornou uma das maiores inimigas de usinas hidrelétricas, pequenas centrais elétricas e reservatórios para abastecimento humano: o mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei).

Em seu mais recente edital de financiamento de pesquisas, lançado em 2017, a Cemig se comprometeu a investir R$ 7,3 milhões na segunda fase de um estudo a ser conduzido pela Ufop, nos próximos quatro anos, na área de bioengenharia. E também no desenvolvimento de novos materiais para aplicação em ecossistemas e usinas hidrelétricas no combate ao mexilhão-dourado.

Segundo a coordenadora do Núcleo de Qualidade de Águas da Cemig, Marcela David, o projeto é a continuidade de uma linha de pesquisa associada ao conhecimento do mexilhão-dourado. E dá sequência a 20 anos de estudos feitos em parceria com inúmeras instituições de pesquisa sobre essa espécie.

Superada a etapa de conhecimento básico do mexilhão e sua interação com o meio ambiente, onde se instalou nos cursos de água, estão sendo desenvolvidos novos arranjos científicos com o uso da nanotecnologia.

“O objetivo é desenvolver novas formas de controle específicas para a espécie, trabalhando a genética do organismo para entender sua ação e interação no ambiente. E como isso interfere na ecologia da população e a forma com que se relaciona com os diferentes materiais e estruturas onde se instala”, explica.

Além disso, o projeto visa, com os novos conhecimentos gerados, contribuir com o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), que gerenciam o Plano de Combate e Controle do Mexilhão-Dourado no país.

“A captação de água para irrigação e abastecimento público, a produção de energia e várias outros segmentos econômicos ficam comprometidos com a presença do mexilhão-dourado, que se fixa em diversos tipos de estruturas e materiais, entupindo tubulações e impedindo as atividades”, explica o superintendente de Gestão Ambiental da Geração e Transmissão da Cemig, Enio Fonseca.

Ele acrescenta que, além de parar operações complexas nas usinas hidrelétricas, a presença do mexilhão exige uma completa reprogramação de manutenção em diversos tipos de reservatórios. “O mexilhão entope tudo. Ele já parou operações de captação de água para abastecimento em dezenas de cidades, impactou a operação de usinas hidrelétricas situadas na bacia do rio Paraná e prejudicou atividades de irrigação. Além do setor elétrico, sua presença prejudica tanques de peixamentos e diversas outras atividades”, ressalta Fonseca.

 

Bioengenharia

De acordo com Antonio Valadão, professor no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Materiais da UFOP/Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg)/Rede Temática em Engenharia de Materiais (Redemat), na primeira etapa do projeto foi possível avançar muito na investigação do “corpo” do mexilhão por meio de várias técnicas de microscopia de força atômica (AFM, em inglês), para conhecer os mecanismos de adesão da espécie.

Outro foco da pesquisa foi a concha do mexilhão e sua micro (e nano) arquitetura, aponta Valadão. “Avançamos bastante no estudo da biomineralização e publicamos um livro em português e inglês, disponível on-line (www.bio-mineral.org), em que fazemos uma conexão, ainda inicial, entre a Teoria da Evolução de Charles Darwin e as teorias de ciência dos materiais. Todos esses estudos sobre o mexilhão-dourado só foram possíveis devido à criação do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas (CBEIH) [leia mais a seguir], financiado pela Cemig e apoiado pela Redemat”, afirma.

Na segunda fase da parceria de desenvolvimento científico entre Cemig e Ufop, os pesquisadores vão se debruçar sobre a aplicação da bioengenharia – que une princípios da biologia à engenharia – para criar novos materiais e mecanismos, por meio de agentes biológicos, na tentativa de impedir que o mexilhão-dourado se fixe nas estruturas das usinas hidrelétricas.

O combate químico da espécie é regulamentado por normas do Ibama e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Há  apenas dois produtos licenciados no país com essa finalidade: o dicloro isocianurato de sódio e o MXD-100. Este último foi desenvolvido a partir das pesquisas elaboradas nos primeiros projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) desenvolvidos pela Cemig.

“Acompanhar questões que envolvem espécies invasoras nos meios aquáticos com impacto nas usinas, na produção de pescados, no abastecimento público e nas comunidades onde atuamos é ponto importante na política ambiental da Cemig. Por isso, os estudos e investimentos em PD&I com a academia são essenciais para produzirmos informação de qualidade para toda a sociedade, inclusive para os gestores das águas”, complementa o superintendente Enio Fonseca.

Sem predadores naturais

A periculosidade do mexilhão-dourado está associada justamente à sua capacidade de se fixar em praticamente qualquer material. E também de se adaptar ao ambiente local, com rápida taxa de crescimento e grande força reprodutiva.

Sem predadores naturais, sua presença nos ecossistemas aquáticos brasileiros vem causando sérios danos ambientais e econômicos a diferentes setores produtivos que usam a água em seu estado bruto. O número de moluscos nativos vem sendo impactado pela rápida dispersão do mexilhão-dourado, além de haver forte redução em diversidade e número de espécies.

Por ser um espécime filtrador, ele também pode alterar a transparência da água nos reservatórios, além de estar relacionado ao aparecimento de macrófitas submersas, em razão da diminuição da transparência da água. E, consequentemente, do aumento da penetração de luz, o que favorece a proliferação dessas plantas, que podem causar outras consequências (como a restrição à navegabilidade de pequenas embarcações).

Controle efetivo e integrado

A Cemig, em parceria com a Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec), investiu em novos projetos por meio do Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas (CBEIH).

Esse centro foi criado a partir do P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), grupo de trabalho de controle do mexilhão-dourado: bioengenharia e novos materiais para aplicações em ecossistemas e usinas hidrelétricas. A fim de otimizar os processos de detecção e manejo de espécies invasoras aquáticas, o CBEIH desenvolveu o Programa de Detecção Rápida e Resposta Imediata (DRRI), compartilhado com diferentes setores da sociedade, incluindo órgãos ambientais de controle interessados nesse tema.

O conhecimento gerado pelas pesquisas dos projetos de PD&I já realizados permitiram o desenvolvimento de um robusto programa de educação ambiental realizado junto às comunidades lindeiras aos cursos de água e reservatórios. Graças a esse trabalho, a Cemig retardou a chegada do mexilhão-dourado aos rios de Minas Gerais em cerca de 10 anos.

De acordo com Marcela David, o conhecimento da biologia avançada da espécie, associado aos aspectos ecológicos dos ambientes invadidos, é essencial para o desenvolvimento de técnicas de prevenção, detecção, monitoramento e controle do invasor.

“Essas pesquisas de base são ainda essenciais para o desenvolvimento de modelos ambientais preditivos que, apoiados em ferramentas computacionais, possam indicar áreas mais suscetíveis à invasão, direcionando esforços e otimizando os custos para prevenção e contenção da invasão em ambientes tropicais.”

De acordo com a Cemig, para o efetivo controle do mexilhão-dourado é essencial, ainda, a integração de órgãos de fiscalização do governo, prefeituras, empresas de abastecimento de água e saneamento, bem como centros de pesquisa, universidades, indústria e empresas de energia, por meio de ações de educação ambiental, prevenção, monitoramento e controle da dispersão da espécie.

Organismo bivalve (tem duas conchas), o mexilhão-dourado obstrui e entope canos, turbinas e tubulações de sistemas de hidrelétricas e reservatórios de abastecimento de água.

Fique por dentro

Originário da Ásia, o mexilhão-dourado chegou às águas do Brasil pelo Sul do país. O primeiro registro ocorreu em 1998, no Rio Grande do Sul, e desde então foi se dispersando pelas principais bacias hidrográficas.

Em apenas 10 anos, espalhou-se por quase toda a bacia dos rios Paranaíba, Paraná e Paraguai, além da região do Pantanal, no Rio Grande (divisa de Minas, com São Paulo e Goiás), e também no Alto Rio São Francisco.

Mais recentemente,  foi detectado no Rio Paranaíba, na divisa de Minas Gerais com Goiás. É encontrado ao longo dos rios e também em reservatórios dessas bacias. O principal desafio é o controle do mexilhão no ambiente natural (reservatórios, rios, lagos etc.), pois o tratamento usado em área industrial não se aplica a essas regiões.

Curiosidades

Água de lastro

É o líquido recolhido aos porões dos navios na origem e despejado no destino para dar estabilidade, propulsão e permitir o gerenciamento de manobras dos barcos.

É considerada o principal veículo de disseminação de trilhões de minúsculas espécies invasoras, tornando-se um sério problema em escala mundial. Por ano, mais de 40 mil embarcações passam pelo Brasil, levando e trazendo intrusos em mais de 10 bilhões de toneladas de água de lastro, com cerca de 3 mil espécies exóticas invasoras de todo o mundo.

Impactos econômicos e socioambientais

Os mexilhões usam a própria natureza para se dar bem: agarram-se às raízes das matas ciliares, onde ocorrem as desovas de peixes nativos, matando os berçários. Assim, não apenas garantem sua presença no local como eliminam o risco de predadores.

Eles filtram a água para retirar o fitoplâncton, organismos que flutuam e representam o primeiro elo da cadeia alimentar: aquele que fornece nutrientes para todo o ecossistema. Com isso, o zooplâncton, composto por animais de diversos tamanhos, como crustáceos e algas, fica prejudicado, pois a água fica sem nutrientes: pobre e doente. O impacto ambiental com a perda de biodiversidade é incalculável.

Na economia, o mexilhão-dourado gera prejuízos com os altos gastos de manutenção de equipamentos por prefeituras, companhias de abastecimento de água e esgoto, empresas geradoras e fornecedoras de energia elétrica; bem como na potabilidade da água e no tratamento de doenças decorrentes da contaminação.

Reprodução

O mexilhão-dourado tem reprodução externa, ou seja: óvulos e espermatozoides são liberados e se encontram na água. Forma larvas com pouco mais de 2mm que, nadando, se agarram a qualquer substrato no leito dos rios e lagos, como rochas, troncos, redes, plásticos, pedaços de tijolos, tubos, entre outros. Consegue formar colônias com densidade de até 180 mil indivíduos por metro quadrado.

Fonte: “A invasão perigosado mexilhão-dourado e de outras pragas”, Dorinha Aguiar.

Compartilhe

Comentários

Nenhum comentario cadastrado

Escreva um novo comentário
Outras matérias desta edição