Quinta, 05 de julho de 2018
O segundo sonho do Rego dos Carrapatos
Quase duas décadas depois, Nova Lima e Copasa refazem a promessa de despoluir o mais emblemático parque natural da Grande Belo Horizonte

Simbolismo hídrico: o Córrego dos Carrapatos está para Nova Lima como o Arrudas para BH e o Tietê para São Paulo.Foto: Reprodução
Foi emocionante. Na manhã ensolarada do dia 10 de junho, encerrando as festividades da “Semana Mundial do Meio Ambiente”, a Corporação Musical União Operária - tradicional banda do município metropolitano com mais Mata Atlântica e nascentes preservadas - tocou um dobrado de mexer, literalmente, com os corações. Executou vários hits do cancioneiro popular que emocionaram, em particular, a ponto de perder a voz, o médico Ricardo Salgado, ex-secretário municipal de Saúde e de Meio Ambiente, ao longo de 12 anos.
Coube a ele, já com 73 anos, a preservação histórica das poéticas “banquetas” que os ingleses construíram há mais de 100 anos para, por gravidade, levar água à antiga Mineração Morro Velho, hoje AngloGold Ashanti. Foi ele também que relembrou o mesmo sonho, hoje coletivo, de recuperar ambientalmente o Ribeirão dos Carrapatos, que ainda corre moribundo e triste em boa parte do atual parque natural mais querido pela população local, onde antes era mais um lixão público, na entrada da cidade.
A comoção do médico que virou ambientalista, homenageado durante a cerimônia, não foi à-toa. Ao lado de Vitor Penido, prefeito pela sexta vez do município, Salgado assistiu à mesma assinatura, 18 anos depois, de um protocolo de intenções semelhante entre a prefeitura municipal e a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Copasa), prometendo tratar e despoluir até 2020 as mesmas águas que hoje degradam os dois tesouros hídricos: o Rego (abreviação de córrego) e o ribeirão de mesmo nome.
Os carrapatos quase não existem mais ali, graças ao crescimento e a transformação das antigas e infestadas pastagens em florestas de Mata Atlântica recuperadas, que hoje dão sombra, umidade e afastam esses insetos.
Natural do município e também signatário do primeiro convênio assinado em vão, na virada do século, Penido disse se tratar agora de uma questão de honra, tanto da Copasa quanto da própria prefeitura. A mesma e solitária bandeira levantada pelo seu ex-secretário e criador do parque: “Agora, é uma questão de coração, de gratidão e amor mesmo à nossa cidade e população”, disse o prefeito.
Por parte do diretor de Operação Metropolitana da Copasa, Rômulo Thomaz Perilli, conhecido por sua empolgação e comprometimento com a causa hídrica, o sentimento confesso foi o mesmo. Ele garantiu que, desta vez, o Estado vai projetar e implantar uma Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) a montante do parque, retirando todo e qualquer lançamento poluente nos seus cursos d’água. A nova previsão é isso acontecer até o ano 2021.
A principal fonte de poluição são os condomínios de classe média e alta a jusante do parque, que ainda não usam fossas sépticas. A segunda fonte de tristeza social são alguns bairros (grande parte deles clandestinos) mais próximos e vizinhos às margens de ambos os córregos que cortam o parque, cujo lançamento criminoso é feito direto neles.
Antes da cerimônia, a Revista Ecológico percorreu o trajeto entre a entrada do parque e o seu encontro com esses bairros, seguindo a trilha das banquetas, menos de um quilômetro acima. Dá vontade de chorar, tamanha a contradição e insensata degradação, em meio a árvores gigantescas. Vários moradores antigos acompanharam a reportagem, com a mesma tristeza. Muitos deles lembraram a infância bucólica que já tiveram em suas vidas, nadando, brincando e pescando com seus pais naquelas águas.
Para a maioria descrente deles, essa conversa de despoluição é antiga e politiqueira. Para o atual prefeito, que também é presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), agora é uma certeza que vem do coração. Tal como enfatizou seu atual secretário municipal de Meio Ambiente, Danilo Vieira Júnior, 67% do extenso município de Nova Lima ainda é verde e hídrico graças à mineração, por se tratar de suas propriedades, via concessão da União, que são protegidas por força de lei:
“Não fosse a ação fiscalizadora das mineradoras, que, no caso do Quadrilátero Ferrífero do Estado, geralmente ocupam e mineram 3% do território natural, mas preservam 5% dele na forma de Unidades de Conservação (UCs), certamente o poder público sozinho não teria condições de preservar tanta natureza que se conseguiu salvar e manter intacta até hoje no município, apesar da pressão imobiliária. E são essas mesmas empresas que nos ajudarão agora, não apenas nesta nova oportunidade de despoluirmos o parque como, maior ainda a missão, salvarmos as 800 nascentes d’água que ainda temos jorrando limpas e também abastecendo, sobremaneira, a população da capital.”
Vieira citou nominalmente a Vale e a AngloGold Ashanti (ex-Mineração Morro Velho), cujos representantes estavam presentes na cerimônia, responsáveis e mantenedoras de significativas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs): “O nosso Rego dos Carrapatos não é só um parque. Ele é um santuário, uma paixão novalimense. Despolui-lo é um dever, uma declaração de amor social à cidade e à sua gente”.
Entre as personalidades homenageadas, o ex-ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, confidenciou ao prefeito Vitor Penido, a importância estratégica dos administradores públicos se envolverem parceiramente e, sem preconceito, com os ambientalistas. E não mais ainda vê-los, erroneamente, como inimigos do progresso: “Essa é a nossa sorte e a sorte futura desse parque. Os idealistas não têm tempo para ser pessimistas. Onde há uma vontade política há um caminho. E ele recomeça aqui, reunindo os mesmos atores.”
Como recordou com a voz embargada e os olhos marejados, o médico e ambientalista Ricardo Salgado, quase duas décadas antes o local onde ocorreu a renovada promessa de saneamento já foi palco de quatro tentativas de invasões: “Não foi fácil. Só para sonharmos com a criação do parque, na época, a prefeitura teve de retirar mais de 100 caminhões-caçamba de lixo jogado pela própria população”.
“Isso é mágico”, acrescentou: “É o que faz reviver a nossa esperança. Se Nova York (EUA), uma das cidades mais ricas do planeta, levou 40 anos para criar o seu Central Park, nós temos de acreditar que, um dia, o nosso parque estará 100% limpo e aberto à visitação, contemplação e lazer da população. Será uma glória para todo mundo”.
Comentários
Nenhum comentario cadastrado
Carta do Editor
Aviação
Empresa & Ambiente
Agronegócio
Debate
Os maiores crimes ambientais do Brasil
Ecológico nas Escolas
Econectado
Estado de Alerta
Memória Iluminada