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Nem toda mineração será permitida



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Os caminhantes entre o Pico de BH e a Mineração Empabra: o clamor ecológico contra a mineração insustentável. Foto: Fernanda Mann

Os caminhantes entre o Pico de BH e a Mineração Empabra: o clamor ecológico contra a mineração insustentável. Foto: Fernanda Mann

Caminhada até o Pico de BH reacende o movimento ambientalista contra a atividade predatória na Serra do Curral, símbolo natural da capital mineira

Este novo grito de alerta ecoou das vozes de 300 belo-horizontinos, entre ambientalistas, políticos e cidadãos, no segundo domingo de junho, encerrando a Semana Mundial do Meio Ambiente. Convocados por diversas ONGs socioambientais, eles se dividiram em duas trilhas até chegar ao cume da Serra do Curral, cuja base próxima já se acha carcomida por velhas e novas minerações.

Lá, a 1.390 metros de altitude, muitos desses caminhantes testemunharam, pela primeira vez, o tamanho das erosões e novas frentes minerais. Não apenas em Belo Horizonte. Mas também do outro lado da serra, no município abaixo de Nova Lima, onde uma natureza de beleza estonteante está em vias de ser degradada por um novo projeto de mineração em processo de licenciamento ambiental.

 

Copa da insensatez

Em sua edição 108, publicada em agosto de 2017, dentro da série de reportagens A Serra pede Paz, sob o título A nova Regra do Jogo, a Revista Ecológico mostrou esse novo projeto. Trata-se do Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMST), da Construtora Cowan, que, de um lado, traz a inovação tecnológica de minerar a seco, sem gerar rejeitos. E, de outro, traz uma dor verde: a devastação, para ser implantado, de 150 hectares de florestas milagrosamente intactas até hoje. Ou seja, uma área verde natural equivalente a 150 campos de futebol será eliminada. Se os governos municipal e estadual permitirem o desmatamento de toda a área requerida, advertiram os caminhantes, essa terá sido uma outra copa: “A copa da insensatez”.

O projeto da Cowan pretende minerar a partir do limite que já foi, um dia, a Mina de Águas Claras, da ex-Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), atual Vale, agora rumo ao o município de Sabará. Leia-se no prolongamento da Reserva Natural do Patrimônio Natural (RPPN) Mata do Jambreiro, da Vale, a maior reserva de Mata Atlântica atualmente preservada em toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte.

 

De volta à Empabra

Do alto do Pico até os parques da Baleia e Mangabeiras, de volta a BH, os caminhantes avistaram outra vez, e sem maquiagem, a tragédia em curso da Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra), igualmente reportada pela Ecológico em julho de 2017, na sua edição 99, no texto intitulado O Perigo mora ao Lado. Em sua defesa, a mineradora afirmou, na época, ter licença tanto do Estado quanto do munícipio para minerar o que ainda era possível de passivos ambientais de outras minerações egressas. E, pari passu, também ir recuperando a paisagem afetada da Serra, sem ultrapassar os limites de proteção dos referidos parques.

Já para os ambientalistas que também acompanharam uma visita ao local, semanas antes da caminhada, como convidados da Câmara Municipal de BH, a Empabra não cumpre integralmente as duas coisas. A todo vapor, ela minera várias cavas da Serra, além do legalmente permitido via Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado com o Ministério Público. E recupera sim, mas de maneira mínima, a passos de tartaruga, o que já foi degradado no passado ou o que ela própria também destrói atualmente. Tamanho conflito, questionado e protestado in loco pelo vereador Gilson Reis, ocorre na área da antiga Granja Corumi, no Bairro Taquaril, região Leste de BH e divisa com Sabará.

A prova cabal disso foi dada no último dia 28 de junho. Uma vistoria técnica, feita por representantes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), confirmou que a Empabra descumpriu mesmo o limite da extração de minério previsto em autorização oficial inicial.

Foi como o jornal “Estado de Minas” documentou e publicou, no dia seguinte: “Enquanto o governo estadual sustenta que a autorização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) previa a retirada de 1,5 tonelada de material para ser comercializado, no relatório entregue à Semad, a mineração admitiu movimentação de 5,88 toneladas de minério”. Isso mostra que a Empabra omitiu uma quantidade de minério autorizada para extração quatro vezes maior do que havia informado à PBH, pontua o órgão ambiental do Estado.

E não parou aí. A Semad ainda destacou quatro cláusulas descumpridas do TAC, três delas relacionadas às questões socioeconômicas. Outra diz respeito à não instalação de lavador de rodas nos caminhões que fazem o transporte de minério e descarta danos ambientais ao Parque Estadual da Baleia. Por meio de nota, a Empabra disse que “está ciente do relatório da vistoria e já está providenciando a documentação solicitada pela Semad”.

 

Comunicação árida

Um ano antes, na histórica Sabará, mais precisamente na noite gélida do dia 18, sexta-feira de maio, a Construtora Cowan compareceu à audiência pública para informar e explicar sobre o seu Projeto CMST, na continuidade sul da Serra do Curral. Baseada majoritariamente em mostrar dados técnicos (número de empregos e resultados financeiros) e não no que poderia fazer (em termos de compensação ambiental e proteção ambiental), a empresa levou uma espécie de “surra” das autoridades e ambientalistas presentes.

O mesmo vereador Gilson Reis perguntou ao microfone: “Vocês acham que a população do Rio de Janeiro iria permitir minerar no Pão de Açúcar ou no Cristo Redentor, no Alto do Corcovado?”. Ao que completou Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), exibindo fotos exuberantes da Serra do Curral, com paisagens intactas que poucas pessoas ali presentes jamais imaginariam ainda existirem: “O nosso lema agora será este: mexeu com a Serra, mexeu comigo!”.

O que mais incomodou os ambientalistas foi o fato de a  empresa apenas mostrar uma fase de implantação. E não o projeto completo a ser licenciado, facilitando assim a aprovação final pelos órgãos ambientais. Ou seja, em números: ela já conseguiu autorização do Instituto Estadual de Florestas (IEF) para devastar uma área parcial de 30  hectares de campos de altitude e Mata Atlântica. Enquanto o projeto total da CMST prevê autorização para 150 hectares, cinco vezes mais, no costado até hoje preservado da Serra do Curral em Nova Lima.

Movidos por essa revolta, os ambientalistas combinaram subir até o Pico de BH no último domingo da Semana Mundial do Meio Ambiente. E, doravante, nomear a serra maior dos mineiros como “nossa”. Da humanidade.

 

Eles disseram

“Aqui, antes, havia muitas nascentes descendo da serra. Hoje só tem uma. Não podemos deixar que isso continue assim, chegou a hora de nos unirmos. Veja a mineração: já está aos pés da serra.”

José Vanderli, voluntário do Movimento pela Preservação da Serra do Curral

 

“A Serra do Curral está para Belo Horizonte como a Amazônia para o Brasil. Somos capazes de defender a Amazônia, que está na nossa bandeira, inclusive. Não podemos ter desenvolvimento a todo custo, como acontece na mineração.”

Luciana Maria, advogada

 

“O desmatamento agressor e a falta de esclarecimento por parte do poder público sobre a legalidade desses empreendimentos são hoje as principais ameaças que encontramos na serra.”

Alexandre Ribeiro, presidente do Movimento Paz na Serra

 

Opinião

“A mineração do futuro será sustentável”

“A mineração é um setor muito importante para Minas, mas não há mais espaço para empresas poluidoras e degradadoras. É cada vez mais certo que a mineração do futuro é aquela que tem uma vocação para sustentabilidade. Fomos à Holanda para garantir que as empresas mineiras tenham as tecnologias mais modernas de segurança de barragens. O poder público tem que incentivar tecnologias alternativas para dispor rejeitos. Também fomos à China, onde o teor de ferro do minério é muito baixo e eles produzem muito rejeito. Então, tiveram que pensar em alternativas à formação de barragem e avançaram muito no uso de produtos da construção civil, como tijolos, bloquetes, asfalto e cimento feitos com rejeitos de mineração. Lá, deparamos com um cenário muito positivo para ser implantado em Minas, que é a união da mineração com a construção civil. Todos os setores ficaram interessados nessa mudança de postura.”

Germano Vieira, secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas, ao jornal Hoje em Dia

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