Segunda, 21 de maio de 2018

O amor que senti também

Em seu primeiro livro romanceado, a jornalista Leila Ferreira mistura realidade e ficção para resgatar e reconstruir o amor entre filha e mãe

Luciano Lopes – redacao@revistaecologico.com.br



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Exímia contadora de histórias, Leila Ferreira é formada em Letras e Jornalismo, com mestrado em Comunicação pela Universidade de Londres.É autora dos best-sellers “A Arte de Ser Leve”, “Mulheres, porque será que elas...” e “Que Ninguém nos Ouça”, este em
parceria com Cris Guerra.

Exímia contadora de histórias, Leila Ferreira é formada em Letras e Jornalismo, com mestrado em Comunicação pela Universidade de Londres.É autora dos best-sellers “A Arte de Ser Leve”, “Mulheres, porque será que elas...” e “Que Ninguém nos Ouça”, este em parceria com Cris Guerra.

Os primeiros acordes da música anunciam que o amor está por vir. No palco levemente iluminado do Teatro Bradesco, no coração da capital mineira, um casal de bailarinos entra em cena. A coreografia é embalada pela canção “Lamento Cubano”, do pianista e compositor cubano Bebo Valdés. O silêncio da plateia – 600 pessoas lotam o teatro –  mostra que os passos dos bailarinos cativam: paixão, dor, perdão e reconciliação se mesclam às luzes, que projetam nos cantos do palco as nuances dessa dança apaixonada.

Quase no fim da performance, fechei brevemente os olhos na ingênua tentativa de projetar mentalmente essa cena acontecendo, de verdade, na Cuba que ainda não conheço, em uma espécie de Tropicana Club da minha imaginação. Fui interrompido pelas palmas que se seguiram à apresentação envolvente, mais intensas quando a jornalista Leila Ferreira surgiu no palco.

Acompanhada do também jornalista Afonso Borges, ela estava ali para lançar seu mais novo livro – “O amor que sinto agora” (Editora Planeta), no projeto “Sempre Um Papo”. Foi Leila quem explicou, emocionada, por que escolheu iniciar o lançamento daquela forma:

“A parte do livro que mais gostei de escrever foi a cena que retrata um dos últimos encontros da personagem Ana, que narra as histórias, com seu amante (Héctor). Certo dia, eles, que viviam casamentos em crise, se encontram na casa dele. Em um final de tarde, quando Héctor ensinava a ela como se prepara um mojito (coquetel à base de rum), Ana diz que só ‘faltava uma música cubana para acompanhar o brinde’. Ele então coloca para tocar essa versão de ‘Lamento Cubano’, que vocês acabaram de ouvir. Ao escrever essa parte, literalmente me senti vivendo a cena. E queria trazê-la aqui para vocês”.

Ela conseguiu.

Mas havia ainda muitas outras emoções para Leila compartilhar conosco. E ela começou falando sobre como surgiu a ideia do livro. “Minha mãe deixou uma carta para cada um dos seus seis filhos para ser lida depois que ela morresse. E me incumbiu de entregá-las. Meu irmão mais velho morreu antes dela. Ele e todos os outros não quiseram ler as cartas. Não deram conta, pois amávamos demais a nossa mãe.”

Leila continua: “Depois de criar coragem, li a minha carta aos prantos. Escrevi vários livros de não ficção. Mas sonhava em escrever um romance e queria que, de alguma forma, a carta de minha mãe estivesse nele”.

Durante uma semana, a jornalista se isolou em um apartamento na Cidade Maravilhosa para escrever o tal romance. Mas o livro ainda não havia nascido dentro dela. Leila pensou até em desistir, tamanha a falta de inspiração.

Com o computador ligado à sua frente, e sem uma linha preenchida, resolveu suplicar à alma da sua própria mãe para pedir a Deus que lhe desse uma ideia. Ao olhar novamente para a cópia da missiva em cima da mesa, seu pedido foi realizado: iria responder, em forma de várias cartas, às últimas palavras que a mãe havia deixado em papel. E esse conjunto de textos, narrados pela personagem Ana, se transformaria no romance que sempre quis escrever.

Ficção e relalidade

Durante seu depoimento para a plateia já sensibilizada, Leila se emocionou em vários momentos. A decisão de trazer elementos fictícios para contar as histórias foi uma tentativa de tratar com leveza assuntos que lhe eram pesados e traumáticos, como a depressão, o arrependimento de ter optado por não ter filhos, as crises de pânico e a mais difícil tarefa que a mãe a delegara: viver a felicidade que ela não teve.

“Quantas frases condenei ao silêncio e arquivei no cômodo da dor – porque eram suas. Agora vejo a chance de voltar a ser filha, de desenterrar o léxico do nosso afeto e devolver a cada sílaba e a cada sentimento o direito de existir. Eu me encarrego de garantir o estoque de envelopes pardos para guardar nossas conversas”, escreveu Leila (ou Ana?) na primeira carta, que leio rapidamente quando estou na plateia.

“O amor que sinto agora” não é um baú de lamentos. O livro trata da ecologia do amor, do perdão, da cura de medos, aflições e angústias por meio da palavra – a forma que criadora e personagem encontraram para dominar seus mundos  ainda melancólicos. E, claro, torná-los mais alegres.

Volto meus olhos para Leila. Ela agora conta à plateia que, ao terminar de escrever o livro, enviou os textos para alguns amigos. Três disseram que eles estavam tristes demais. Mas o conselho do escritor português José Eduardo Agualusa foi decisivo: “Se o que está dentro de si é triste e pesado, escreva triste e pesado”.

Leila e Ana compartilham o mesmo sofrimento e as mesmas alegrias. E é uma delícia essa dúvida que o livro nos traz ao não permitir que o leitor identifique qual parte é ficção ou não. É  uma maneira de vivenciar os detalhes com mais lucidez. Vale ressaltar, contudo, que todo ser humano vive os prazeres e as dores de ser quem é. Ainda que traga certa melancolia, “O amor que sinto agora” nos mostra que a tristeza não é uma escolha. E mesmo que as palavras de Leila e Ana nos façam chorar, no final elas provocam uma vontade imensa de viver. Assim como a dança envolvente do início da apresentação.

 

A ecologia do amor

“Tudo o que Ana passou, sofreu, silenciou e descobriu, da infância até os dias atuais, é relatado com uma verdade dilacerante. A personagem reconstrói sua vida através da memória e nos convida a entrar num universo tão particular e íntimo que não há como não se sentir honrado por ela ter nos dado essa permissão.” É o que diz a escritora Martha Medeiros, que assina o prefácio da obra.

Esse universo íntimo inclui episódios nebulosos, como a tentativa de violência sexual por parte do pai, um casamento fracassado, a dor de saber que o avô apostava a avó em jogos. E também momentos solares: as viagens para México, Egito e França. O nascer de um novo amor, a possibilidade de ver que a vida não está presa em um congestionamento. E, por fim, que a linhagem de mulheres infelizes da família terminou com ela mesma.

Encerrado o evento no teatro, que contou com depoimentos emocionantes em vídeo de irmãos de Leila – uma surpresa afetuosa arquitetada pelo amigo Diego Trávez, da DMT Palestras –, sigo para casa. Não esperei para dar o abraço que queria nesta colega jornalista, cujo trabalho acompanho há mais de uma década. A fila dos admiradores saía do foyer do teatro e acabava na calçada da rua. No caminho para casa, só conseguia pensar: “O que vou fazer com tudo isso que ouvi e vivi agora?”.

Abro a porta do apartamento, tomo um banho quente e me acomodo no sofá da sala para iniciar a leitura. Noventa páginas em uma hora, contabilizo atônito. Dois dias depois, chego à última página. Fecho o livro, penso no que já vivi, e chego à conclusão de que não há cura sem dor.

Vou além.

Lembro da sociedade individualista em que vivemos, que julga o sofrimento do outro sem entendê-lo, que nos limita a enxergar que a nossa dor é sempre maior que a do próximo. Que a nossa cura tem de egoisticamente vir primeiro.

Leila e Ana compartilham suas tristezas de forma visceral, sem vitimismo e sem medo. E é aí que está a mágica da narrativa: o fio que a conduz é a busca da “cura” na resiliência do amor.

“A sensação que eu tenho agora, mãe, é a de estar, finalmente, arrancando os lençóis que encobriam minha casa interior. Você tinha pavor das tempestades. Eu escolhi outros medos. Mas agora estou arejando os cômodos e expondo todos os espelhos. Que chova. Que o vento arranque cortinas. Que a tempestade entre em casa e me encharque, e deixe trincas nas paredes. O que eu não posso mais é viver acuada, estendendo lençóis para não enxergar minha tristeza nos espelhos.” É assim que o livro termina, sinalizando que o pior já passou.

E passou mesmo, Leila. No céu azul de seus sentimentos, e nos de Ana também, é hora de contemplar o sol que brilha pleno lá fora.

 

Quem é ela

Exímia contadora de histórias, Leila Ferreira é formada em Letras e Jornalismo, com mestrado em Comunicação pela Universidade de Londres. Durante dez anos apresentou o programa Leila Entrevista (Rede Minas de Televisão e TV Alterosa), onde entrevistou mais de 1.600 personalidades. É autora dos best-sellers “A Arte de Ser Leve”, “Mulheres, porque será que elas...” e “Que Ninguém nos Ouça”, este em parceria com Cris Guerra.

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