> Edições Anteriores > Fora lixão! > Páginas Verdes

Segunda, 21 de maio de 2018

"O plástico só existe pelo interesse econômico"



font_add font_delete printer
André Toledo: “A explicação para a eventual ineficácia normativa
refere-se ao desinteresse do Estado em interromper, obstruir ou
dificultar o exercício de atividades econômicas causadoras de poluição”. Foto: Arquivo Pessoal

André Toledo: “A explicação para a eventual ineficácia normativa refere-se ao desinteresse do Estado em interromper, obstruir ou dificultar o exercício de atividades econômicas causadoras de poluição”. Foto: Arquivo Pessoal

Segundo a ONU Brasil, a humanidade produz mais de 300 milhões de toneladas de plástico por ano e apenas uma fração é reciclada. O restante acaba despejado em cursos d’água e chega aos oceanos, impactando a vida marinha.

Redemoinhos de água aprisionam grandes quantidades de resíduos nas correntes marítimas. No Pacífico Norte, por exemplo, existe uma ilha de plástico, com 1,6 milhão de quilômetros, equivalente ao território de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás juntos.

O plástico demora 450 anos para se decompor. Os animais marinhos não conseguem diferenciá-lo de comida e acabam morrendo de inanição. Caso isso não aconteça, ele pode ser pescado e parar no seu prato. Ou seja, o plástico volta para o início da cadeia e o ser humano termina comendo-o.

É o que alerta o advogado André de Paiva Toledo, doutor em Direito pela Université Panthéon-Assas Paris 2 (Sorbonne). Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, ele também é diretor do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR), entidade sem fins lucrativos que reúne pessoas interessadas em contribuir com o desenvolvimento do Direito do Mar (normas de regulação e preservação dos espaços marinhos).

“A proteção dos oceanos contra a poluição por plástico é um desafio global por conta da sua quantidade que tem sido lançada ao mar”, ressalta Toledo, que em sua pesquisa de doutorado analisou as principais questões contemporâneas do direito internacional dos espaços marítimos e fluviais.

Na entrevista a seguir, ele aborda os impactos do plástico nos cursos d’água e explica como a ausência de normatizações jurídicas sobre o tema contribui para o caos ambiental.

Confira:

O que se tem feito no exterior para proteger os oceanos do plástico e o que poderia ser feito no Brasil?

A proteção dos oceanos contra a poluição por plástico é um desafio global por conta da quantidade que tem sido lançada ao mar. Além disso, em virtude da homogeneidade dos oceanos, não se consegue restringir a poluição desse material a um espaço delimitado. Tem-se com esse tipo de poluição o que existe com a atmosférica e com o aquecimento global. Trata-se de um problema que afeta a todos e cujos mecanismos convencionais de responsabilização não são suficientes. Como aconteceu nos anos de 1990 com a questão da poluição por gases de efeito estufa, há agora um impulso grande por parte da ONU para colocar a temática da poluição marinha por plástico como tema de negociações internacionais globais. A proteção dos mares em face do plástico não se dá individualmente.

 

Por quê?

O Brasil é um país com um vasto litoral. O espaço marítimo brasileiro é tão vasto quanto o seu território terrestre. Por conta dessa vastidão, que se chama comumente de “Amazônia Azul”, interessa muito ao Brasil manter o meio ambiente marinho equilibrado, não apenas como compromisso com os direitos fundamentais de sua população ou os direitos de outros Estados, mas como estratégia de desenvolvimento econômico sustentável. Claro que há medidas que devem ser tomadas internamente, pois 80% do plástico dos mares têm como origem fontes situadas em terra. Mas aqui, como no caso do aquecimento global, uma proteção efetiva depende da cooperação internacional.

 

Pesquisas indicam que 80% dos mais de 8 bilhões de toneladas de plástico produzidas nas últimas décadas estejam dispersas na natureza, principalmente nos oceanos. Como isso afeta a vida marinha e a humana?

Grande parte do plástico que está nos mares chegou ali pelos cursos d’água. Trata-se de uma fonte importante de desequilíbrios dos ecossistemas hídricos, mas especialmente marinho, pois é ali que ele se deposita por muito tempo, desintegrando-se e sendo literalmente absorvido por elementos da biodiversidade. Essa absorção causa a morte desses indivíduos, mas implica também sua inserção na cadeia alimentar, o que é causa de problemas relacionados à saúde humana, tendo em vista que boa parte da alimentação vem dos mares.

 

Promover a reciclagem seria uma alternativa para que o plástico não vá parar nos mares? Como isso poderia ser feito?

Toda alternativa que retira o plástico do ambiente é bem-vinda. A reciclagem, por consequência, é uma alternativa. Para tanto, seria necessário investimento em tecnologia de reciclagem para que essa estratégia pudesse ser universalizada. Nesse sentido, tem papel fundamental o sistema de limpeza urbana, que impedisse que o plástico chegasse ao sistema de escoamento de águas. Logo, o poder público, em especial as prefeituras, têm uma responsabilidade direta na eliminação do material do meio ambiente. A falta de estrutura dos sistemas locais de limpeza urbana, aliada à baixa efetividade normativa e à quantidade de plástico produzida pelo setor econômico, torna quase impossível essa alternativa.

A obsolescência programada já se infiltrou no mercado capitalista, forçando-nos a comprar novos produtos, em períodos de tempo cada vez menores. Como reduzir a produção de lixo e, consequentemente, de plástico?

A redução de plástico passa necessariamente por investimento em ciência e tecnologia que produza materiais de substituição economicamente viáveis. O plástico só existe porque é economicamente interessante. Ele só deixará de existir quando deixar de ser economicamente interessante, o que pode ser feito em tese por meio de norma jurídica, padrão de consumo ou substituição de menor custo. Em tempos de liberalização do comércio, austeridade fiscal e ausência do Estado das relações econômicas, ficamos nas mãos do consumidor ou do próprio sistema econômico. É por isso que as campanhas da ONU são todas direcionadas ao consumidor, que acaba agindo muito por interesse econômico e não ecológico. Por isso, há pesquisas muito sérias que identificam na modificação do modelo econômico globalizado a solução para o caos ambiental. Em especial, cito o professor Luiz Marques, da Unicamp, que escreveu um livro importantíssimo intitulado “Capitalismo e caos ambiental”. Concordo com ele: não há solução de curto prazo dentro do capitalismo. Temos tempo de sobrevivência até a superação desse modelo?

 

Planeta plástico

Segundo um estudo da Revista Science, estima-se que 155 milhões de toneladas de plástico serão jogados nos oceanos até 2025 (com base na média anual de 17,5 milhões de toneladas).

Desde 1950, informa a Science, mais de 8,3 bilhões de toneladas de plásticos foram produzidos no mundo. Sessenta por cento deles foram parar na natureza, lixões ou aterros.

É urgente o desenvolvimento de novas estratégias para o fim da via útil do plástico. Uma das alternativas importantes é a reciclagem. Mas ela ainda é tímida, apenas 9% do plástico produzido é reciclado. 

Uma pesquisa publicada na revista Scientific Reports apontou que a ilha de detritos que flutua no Oceano Pacífico, entre a costa da Califórnia (EUA) e o Havaí, é 16 vezes maior do que se imaginava. Composta principalmente por embalagens de plástico jogadas no mar, a área tem 1,6 milhão de quilômetros quadrados (equivalente a quase o dobro do tamanho da Região Sudeste do Brasil). 
 

 Fonte: AMDA - Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente

Compartilhe

Comentários

Nenhum comentario cadastrado

Escreva um novo comentário
Outras matérias desta edição